O 17 de junho: a revolta por R$ 0,40 (ida e volta) e algo mais!

Frei Johannes Gierse *

Que coincidência! Nos dias que antecederam a 17 de junho de 1953, aconteceram na antiga Alemanha Oriental (socialista, que se autodenominava "República Democrática Alemã") uma onda de greves, manifestações e protestos que aliados às reivindicações políticas e econômicas culminaram na revolta de 17 de junho, também chamada "revolta popular ou revolta dos operários". As causas foram muitas, entre outras, a ignorância da cúpula política - do governo e do "partido socialista" - referente às necessidades da classe operária. A revolta de 17 de junho tornou-se um sinal político para os povos do Leste Europeu e da União Soviética. Em 1954, a Alemanha Ocidental declarou o "17 de junho" como feriado nacional da tão sonhada reunificação dos dois estados, separados arbitrariamente. 36 anos depois caiu o Muro de Berlim e o dia 3 de outubro de 1990 torna-se o Dia da Reunificação das duas Alemanhas; um acontecimento que poucos realmente imaginaram que fosse possível!

No dia exato do 60º aniversário desta revolta popular, a história se repete: após uma semana de manifestações, concentradas principalmente nas metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro, no "17 de junho" de 2013, uma avalanche de manifestações percorre a maioria das capitais de Norte (Belém) a Sul (Porto Alegre). As cidades de destaque são: Rio de Janeiro onde há uma passeata de mais de 100.000 pessoas; São Paulo, a maior cidade da América Latina fica paralisada em três pontos centrais; e Brasília onde o centro do poder político e judiciário é cercado e tomado por milhares de manifestantes. A causa de tudo isso? R$ 0,20 (aliás, R$ 0,40: ida e volta) no aumento das passagens públicas, aqui e em outras capitais tornaram-se a gota d'água. Mas, o preço da revolta popular é bem maior, é o mesmo de 60 anos atrás na Alemanha Oriental, o mesmo da Turquia nestes dias: governos e suas políticas, partidos de direita e de esquerda que não atendem às reais necessidades e anseios da população; é o Estado versus a Nação.

Os atos violentos de vandalismos - as imagens na TV transmitem um clima de batalha de guerra; imagine-se quem as vivencia de perto! - merecem uma abordagem à parte; condená-las é fácil e óbvio, entender os seus porquês é o grande desafio! O que leva certas pessoas a agir desta forma?
 
No dia 17 de junho eu parecia sonhar! Fiquei impactado e emocionado ao ver as imagens nos noticiários, quase chorei. Pois, ultimamente andei desgostoso dos rumos que este país tomava política e economicamente: gastos infinitos com o PAC e a Copa, corrupção em toda parte, destruição da Amazônia, violência contra os povos indígenas etc. Exceto alguns poucos militantes solitários, o povo brasileiro parecia anestesiado, alienado, sem jeito. Imaginava que o coração brasileiro batesse somente pelo futebol, que os novos estádios ficassem lotados ao sediar a Copa das Confederações e que a presidente Dilma tivesse sido aplaudida em peso ao declarar aberta a Copa. Pelo contrário, errei feio! O povo não se contenta com o Programa do Governo "pão e jogos" como era práxis nos circos de Roma. As multidões acordam, se levantam e gritam querendo algo mais: valores essenciais como o respeito de ser cidadão, a democracia participativa, a liberdade de expressão, a justiça social e o alimento e a água a preços acessíveis. Os R$ 0,20 provaram que "embora a manifestação tenha tomado proporções maiores do que a ideia inicial, está nitidamente visível que existem diversos grupos unidos por ideias que são distintas, mas que convergem para um pensamento que é positivo e de mudança evolutiva", explica o jovem Edvaldo (piauiense, residente ao lado da Av. Paulista) na sua postagem no Facebook.

Essas manifestações não são as únicas, nem as primeiras. Há poucos dias, presenciamos os protestos dos povos indígenas em vários lugares reivindicando a demarcação de suas terras e protestando contra a construção das hidrelétricas na Amazônia. Porém, a maioria do povo "civilizado" não apoia suas lutas. Por outro lado, também os donos do agronegócio, sentindo-se ameaçados nos seus privilégios foram às ruas para denunciar a invasão de "suas" terras pelos índios.

Os poderosos deste mundo, estes sim, doravante haverão de pagar um preço bem mais alto do que os 20 centavos:

- Os políticos em geral, da bancada do Governo e da oposição, pagam o preço de sua ignorância ao tratar o povo como "bobo" que tudo engole, achando que não percebe seus esquemas corruptos, sua submissão ao capital e a omissão de servir ao bem comum;

- O Partido dos Trabalhadores e o governo federal, autodeclarados como "populares", estão pagando o preço do distanciamento de suas bases, de seus valores ideológicos, pois viraram aliados das elites financeiras, econômicas e políticas;

- A grande mídia, desde que o povo se organiza instantaneamente pelas redes sociais. Canais como a GLOBO perderam seu monopólio de divulgar informações e seu poder manipulador de fazer jornalismo;

- A Polícia e as demais Forças Nacionais devem compreender que a tática de usar armas, os métodos agressivos não amedrontam nenhuma resistência popular - violência apenas gera violência. Elas vão pagar o preço de serem desacreditados pela população;

- Os motoristas de carro, aqueles que se aborrecem devido aos congestionamentos que as passeatas causam, um dia irão pagar reconhecendo que os manifestantes lutaram também por melhorias deles e que o meio de transporte mais inadequado é o próprio carro.

Sabemos de onde brota toda essa força, este desejo de mudança! No meio daqueles que a Igreja Católica colocou neste ano no centro de sua atenção: na juventude, nos jovens estudantes e trabalhadores que não se conformam. Já se tentou calar a voz de um só jovem, 2000 anos atrás, e não conseguiram; se calarem a voz dos jovens, as pedras falarão! A pergunta que se faz é essa: os jovens católicos que deveriam responder aos sinais dos tempos "eis-me aqui, envia-me" estão presentes e engajados nestas lutas? Ou eles/elas preferem ficar nos grupos de oração ou vender bingos e pastéis em prol da JMJ?

Na Alemanha, e em outros países, as tão sonhadas mudanças realizaram-se após décadas, tiveram que enfrentar muitos obstáculos (a "Guerra Fria") e, hoje, o desafio de lutar (contra o capitalismo) parece maior ainda.

Quanto tempo levaremos até descobrir que outro Brasil é possível e necessário??? Penso que, por sua vez, as mudanças climáticas vão dar uma acelerada neste processo do acordar...

* Frei Johannes Gierse OFM, é missionário em Bacabal, MA.

Fonte: Frei Johannes Gierse / Revista Missões

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