Redução da maioridade penal: "em vez de se pensar na punição, devemos agir na área preventiva", afirma defensora pública

Assessoria de Imprensa

Créditos: Carlos Latuff

Por Juliana Sada, do Promenino Fundação Telefônica com Cidade Escola Aprendiz

Nesta última semana, o debate sobre a redução da maioridade penal voltou à tona. Desta vez, o mote foi o assassinato de um jovem de 19 anos durante um assalto, em São Paulo, por um adolescente prestes a completar 18 anos. A discussão, no entanto, não é nova. Tramitam no Congresso Nacional 25 projetos que, entre características diversas, buscam o endurecimento do tratamento dado aos jovens com menos de 18 anos em situação de ato infracional.

Para a defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo, Leila Rocha Sponton, a questão da redução da idade penal reaparece com força "porque falar sobre esse assunto é mais fácil do que encarar os grandes problemas da criminalidade no Brasil".

Na sua visão, ainda é cedo para dizer que o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) está desatualizado ou deva ser modificado: "o que ocorre, na verdade, é que o Estatuto está longe de sua efetivação", explica.

Em entrevista exclusiva ao Promenino, Leila Rocha comenta os projetos que estão no Congresso Nacional e rebate os principais argumentos do discurso pró redução.

O governador Geraldo Alckmin afirmou que irá encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta que prevê que, ao completar 18 anos, o adolescente infrator deverá ser transferido da Fundação Casa para um presídio comum. Você concorda com essa medida? [hoje, 16/04, o governador anunciou que a proposta será outra: ao completar 18 anos o adolescente seria transferido para uma ala de adultos, dentro da própria Fundação Casa]

Tal proposta afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que uma pessoa que comete o ato infracional antes dos 18 anos cumpra medida socioeducativa, ainda que complete a maioridade penal em seu decorrer. Ao propor que um jovem vá para um estabelecimento prisional, fica claro que todo o acompanhamento tido por ele, ainda que por um breve período, será perdido. Ou seja, perde-se o investimento por parte do Estado. Além disso, na prática, muda-se o caráter da medida socioeducativa, transformando-a em pena tão somente porque o adolescente completou 18 anos.

Outro ponto do projeto acaba com o limite de três anos de reclusão para o adolescente, prevendo penas maiores. O aumento da pena desestimula o crime?

Não. E isso pode ser comparado aos casos que envolvem adultos. A lei de crimes hediondos entrou em vigor no ano de 1990, o mesmo ano do Estatuto da Criança e do Adolescente. O tráfico de entorpecentes, por exemplo, é um crime equiparado aos hediondos, tal como o homicídio qualificado. Para os casos, pensou-se no enrijecimento das penas e das possiblidades de progressão do regime como alternativas para a diminuição de tais crimes, o que não ocorreu na prática. O mesmo raciocínio se faz com o aumento de tempo de internação: não é o período de internação que estimula ou não o cometimento de crimes. Ao invés de se pensar na punição, devemos agir na área preventiva, para que estes jovens não tenham sequer que passar pelo sistema de justiça.

Muitos afirmam que, por estarem protegidos pelas leis, os adolescentes cometem infrações ou são recrutados pelo crime organizado para cometê-las. Isso é verdade?

O Estatuto da Criança e do Adolescente não é uma lei protetiva no sentido de garantir a impunidade. Vários são os artigos que tratam da responsabilização do adolescente pela prática do ato infracional. O que ocorre é que o tratamento a ser dado a um jovem não é o mesmo a ser dado a um adulto, mas isso não significa falta de responsabilização. Aliás, não raro, adultos, pela possibilidade de progressão de regime, conseguem deixar o regime fechado antes de um adolescente deixar a Unidade de Internação, ou mesmo receber pena em regime semiaberto. Já o jovem, por previsão do Estatuto, pode ser internado.

Também se argumenta que a lei está desatualizada e os adolescentes estão mais perigosos atualmente. Você vê esse panorama?

O Estatuto sempre foi considerado uma lei bastante moderna. Aliás, quando entrou em vigor, no ano de 1990, foi considerada uma norma avançada para o Brasil. É uma lei que serve de modelo para várias legislações internacionais sobre a criança e o adolescente. Chega a ser um contrassenso uma lei considerada avançada demais para o país em sua edição ser considerada defasada 23 anos depois. O que ocorre, na verdade, é que o Estatuto passou longe de ser efetivado. Várias de suas normas e previsões sequer foram colocadas em prática a ponto de se afirmar que é uma "lei que não deu certo" ou que "está desatualizada". Também não é correto dizer que os jovens estão mais perigosos. Talvez hoje tenhamos dados mais concretos sobre adolescentes, algo que não ocorria em décadas anteriores, de forma que a aparência de maior periculosidade se mostre mais presente atualmente.

Entre as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que estão no Senado, algumas preveem a redução da maioridade penal se o crime for mais grave - como homicídio doloso, latrocínio - ou se houver reincidência. Você concorda com essa proposta? Isso poderia ser uma brecha para a redução da maioridade?

Não é só uma brecha. Nesses casos, se configura como a verdadeira redução. O que ocorre é que esse tipo de proposta confronta diretamente todas as diretrizes e princípios, não só do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também de tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte. Não se define a capacidade de uma pessoa de compreender o caráter de sua conduta levando em consideração o crime/ato infracional praticado, mas sim características pessoais, entre outras questões que fogem do âmbito da gravidade do crime ou sua reincidência.

Algumas PECs preveem que haja a redução se houver um laudo afirmando que o adolescente tem capacidade de entendimento do episódio. Isso é viável?

Nem mesmo em relação aos profissionais da área da saúde há unanimidade sobre a possibilidade de um laudo poder afirmar com toda a clareza sobre a capacidade de entendimento. Há quem defenda que essa capacidade se daria, inclusive, para além dos 18 anos. Além disso, coloca-se na mão de um profissional, extremamente capacitado, mas que não pertence à área jurídica, a responsabilidade de se decidir sobre responsabilização penal, assunto que vai muito além de uma avaliação médica ou psicológica.

O debate sobre a redução da maioridade penal ganha força sempre que um adolescente comete uma infração de natureza violenta. Esse tipo de prática é comum ou é exceção?

Dados recentes da Fundação CASA mostram que adolescentes que cumprem medida de internação por ato infracional equiparado a latrocínio representam 0,9% do número de internos. O ato infracional mais comum entre os internos é o tráfico, que não é considerado um crime violento, embora possa ser equiparado a um crime hediondo. Aliás, os adolescentes estão presentes em no máximo 10% deste tipo de crime, o que mostra que se há o aumento da violência, os adolescentes não são os grandes responsáveis. Assim, devemos analisar até que ponto o aumento da pressão pela redução da maioridade, quando do cometimento de um ato infracional violento por um adolescente, realmente ocorre porque o jovem é o grande responsável pelo aumento da violência ou porque falar sobre esse assunto é mais fácil do que encarar os grandes problemas da criminalidade no Brasil.

Fonte: www.promenino.org.br

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