Energia nuclear: por que tanta insistência?

Heitor Scalambrini Costa *

Após o desastre nuclear de Fukushima, ocorrido em 11 de março de 2011 no Japão, o mundo é surpreendido por revelações que mostram o quanto a questão nuclear é um tema omitido pela indústria do setor e governantes, que escondem informações da população.

A última revelação em relação ao desastre na central nuclear japonesa operada pela empresas Tokyo Eletric Power Company (Tepco) foi o relatório tornado público recentemente (depois de um ano e meio do ocorrido) intitulado "Politica fundamental para a reforma da organização da energia nuclear da Tepco" (tradução livre). Nas 32 páginas deste documento fica claro que mesmo antes do terremoto seguido do tsunami ter provocado a inundação dos reatores nucleares com a liberação para o meio ambiente de produtos radioativos, a empresa já sabia que os sistemas de proteção dos reatores existentes eram insuficientes para um evento da magnitude do ocorrido. Como declarado pelos dirigentes da empresa, eles negaram fechar a central para implantar as medidas de segurança apontadas como necessárias para garantir a segurança, meramente por razões econômicas. Houve uma clara omissão dos dirigentes da Tepco, numa tentativa de minimizar o risco da ocorrência de um tsunami na região e suas consequências. Demonstrando assim, o quanto amam o dinheiro e odeiam a vida. O que nos parece ser uma visão predominante no setor nuclear mundial.

Depois da descoberta das inúmeras "trapaças" realizadas pela Tepco, a população japonesa tem pressionado o governo, realizando inúmeras manifestações públicas demonstrando ser contrária à continuidade e a expansão desta fonte de energia no país. Toda a pressão popular acabou surtindo efeito, e em setembro último foi anunciada pelo governo a decisão do país em afastar-se progressivamente do modelo nuclear, substituindo-o pelas fontes renováveis de energia.

Além do Japão, anteriormente, Alemanha, Itália, Bélgica e Áustria, entre outros países já haviam decidido abandonar a construção de novas usinas nucleares, e fechar as existentes. Até mesmo a França, ícone do uso da nucleoeletricidade no mundo, também decidiu iniciar um processo de redução da participação da energia nuclear em sua matriz energética.

O que surpreende é que no Brasil, autoridades do Ministério de Minas e Energia, "lobistas" da área nuclear e membros da academia continuam insistindo no Programa Nuclear, que prevê a construção de Angra 3 e mais quatro usinas nucleares até 2030. Sendo duas delas no Nordeste brasileiro.

Mesmo com ampla maioria da população 79 % se posicionando contra o uso da energia nuclear no país, segundo uma pesquisa de opinião realizada pela BBC, não foi suficiente para convencer o governo federal de rever sua decisão autoritária. No caso da instalação de usinas no Nordeste, um dos locais pré-selecionados foi o município de Itacuruba (481 km de Recife), que teve amplo apoio do governo de Pernambuco que se posicionou publicamente favorável a instalação em seu território desta central, mas após a catástrofe de Fukushima tergiversa sobre o assunto.

Os movimentos antinucleares (http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/, http://www.greenpeace.org/brasil/pt/ e http://antinuclearbr.blogspot.com.br/) têm realizado inúmeras atividades e campanhas de esclarecimento e de informações junto à população sobre os riscos intrínsecos da energia nuclear e os perigos de um acidente. A receptividade desta mensagem demonstra o quanto é rejeitada a decisão governamental de incluir na expansão da oferta de energia elétrica as usinas nucleares em nosso país. Na Rio +20, houve um espaço, a "Tenda Antinuclear", local onde ocorreram várias atividades, desde palestras, depoimentos e relatos de atingidos por desastres nucleares, debates, filmes, mostrando os riscos da tecnologia nuclear, desde a mineração do urânio. Foi enfatizado e demonstrado que pela riqueza da biodiversidade e da disponibilidade das fontes renováveis, o Brasil não precisa da eletricidade nuclear para atender suas necessidades de energia, nem no presente e nem para o futuro.

Em razão de todos os argumentos e das ações contrárias ao uso da energia nuclear em todo o mundo, alertamos a população brasileira que mesmo este assunto não estar na pauta da mídia empresarial de nosso país, o governo federal continua com o firme intento de construir novas usinas nucleares, e investe hoje mais de 10 bilhões de reais na construção de Angra 3. Daí, não devemos esmorecer esta luta e exigir das autoridades que interrompam imediatamente o programa nuclear em andamento, e que seja afastada definitivamente a ameaça que ronda o povo brasileiro.

* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.

 

Fonte: Heitor Scalambrini Costa / Revista Missões

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