O Rosário da Virgem Maria

Jordão Maria Pessatti*

A forma atual do Rosário teve seu desenvolvimento na segunda metade do século XV, baseada em várias formas anteriores e rudimentares. Uma tradição muito antiga afirma que os monges do Oriente - especialmente os radicados no Egito - costumavam contar as orações vocais que faziam, servindo-se de pedrinhas ou contas. Como nós passamos pelos dedos da mão as contas do Rosário, a cada Ave-Maria que rezamos, assim eles, ao rezarem os Pai-nossos e as Ave-Marias, em substituição aos 150 salmos da Bíblia, contavam estas orações utilizando pequenas pedras.

Mais tarde, encontrando método mais prático para contar os Pai-nossos e as Ave-Marias, ao invés de usarem pequenas pedras, passaram a enfiar "contas" (pequenos caroços de frutas) numa espécie de barbante ou então faziam "nós" num cordão... Estes barbantes ou cordões, guarnecidos de "contas" ou "nós", foram largamente difundidos durante os séculos X e XI, sendo batizados com os nomes latinos de praéculae (pequenas orações), cómputum (cálculo), signácula de Pater noster (marcadores de Pai-nosso). Este foi o primeiro esboço do nosso atual Rosário ou Terço. "Rosário" deriva de "rosa". Considerando a Ave-Maria uma "rosa" desfolhada aos pés da Virgem Maria, o conjunto das Ave-Marias desta devoção recebeu o nome de "Rosário", antes denominado "Saltério Mariano" ou "Saltério de Maria".

O desenvolvimento
Os momentos históricos do desenvolvimento do Rosário podem ser fixados no arco que se estende do século XII ao século XVI. É bom lembrar que a Ave-Maria foi composta pelo arcanjo São Gabriel, por Santa Isabel e pela Igreja. Gabriel a entoou: Ave (alegra-te), cheia de graça, o Senhor está contigo (Lc 1, 28); Santa Isabel a continuou: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre (Lc 1, 42); a Igreja a completou, acrescentando no final da primeira parte o nome de Jesus e compondo toda a segunda parte.

Nos mosteiros dos tempos antigos os monges recitavam o Ofício Divino; os monges letrados rezavam os 150 salmos da Bíblia; os monges menos letrados, sem condição de acompanhar a salmodia, substituíam os 150 salmos por 150 Pai-nossos ou por 150 Ave-Marias. Daí o Rosário de Nossa Senhora ser conhecido também como "Saltério Mariano". Com o passar do tempo, o "Saltério Mariano" foi subdividido em três partes, cada uma contendo 50 Ave-Marias, rezadas em momentos diferentes do dia, à maneira do Ofício Divino.

Muitos atribuem a instituição do Rosário a São Domingos de Gusmão (1170-1221). Historicamente falando, não parece certo. O "Saltério Mariano", de fato, aparece antes do nascimento de São Domingos. O grande merecimento deste santo e dos religiosos fundados por ele (Frades Pregadores) é o de terem utilizado e divulgado amplamente esta popular oração.

Os mistérios do Rosário
No século XIV, o monge Henrique Kálkar fez uma subdivisão do Saltério Mariano, dividindo as Ave-Marias em 15 dezenas (hoje os "mistérios"), inserindo entre uma e outra a oração do Pai-nosso. No século XV entrou em uso também a "enunciação" e a "meditação" dos mistérios. À medida que o Saltério Mariano foi sendo conhecido, certas comunidades cristãs passaram a utilizar muitos e diferentes "mistérios". Na prática, a enunciação dos mistérios variava de comunidade a comunidade. Daí, em 1521, o dominicano Padre Alberto de Castelo reduziu o número dos mistérios, escolhendo os 15 principais, e propondo-os à meditação dos fiéis. A forma do Rosário difundida pelo Padre Alberto de Castelo foi, aos poucos, impondo-se às demais.

Do Rosário ao Terço
Entre os anos 1410 e 1439 o monge Domingos de Prússia (Colônia, Alemanha) propôs aos fiéis uma forma de Saltério Mariano de 50 Ave-Marias. Seria o que hoje nós chamamos de "Terço", ou seja, a terça parte do Rosário.

Não foi uma tentativa para diminuir a extensão do Rosário, mas para dar-lhe novo vigor. O referido monge mandou acrescentar, na conclusão da primeira parte da Ave-Maria, uma referência verbal explícita de um acontecimento evangélico, à maneira de cláusula explicativa do mistério contemplado, costume que ainda hoje vigora. O papa João Paulo II, na Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae (RVM, 33), também lembra este modo de rezar o Rosário. Exemplo: Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre Jesus, [que ao terceiro dia ressurgiu dos mortos]. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.

O Bem-aventurado Alano a Rupe, sacerdote dominicano (1428-1478), foi um verdadeiro apóstolo da difusão do Saltério Mariano, que a partir de então começou a chamar-se "Rosário da Bem-aventurada Virgem Maria". Mas o próprio Alano já falava de dois tipos: Rosário antigo e Rosário novo. O antigo era a simples recitação das Ave-Marias; o novo, a recitação das Ave-Marias com a meditação dos mistérios, propostos em três partes: Encarnação, Paixão e Morte de Cristo, glória de Cristo e de sua Mãe, Maria (mistérios gozosos, dolorosos e glorio-sos). O papa São Pio V consagrou a forma do Rosário, a 17 de setembro de 1569, através da Bula Consueverunt Romani Pontífices. A partir de então, o Rosário deixa de ser uma oração particular das confrarias marianas e estende-se a toda a Igreja.

O papa João Paulo II, através da Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae (RVM), de 16 de outubro de 2002, acrescentou os mistérios da luz ou luminosos, que focalizam cinco momentos muito significativos da vida pública de Jesus Cristo.

A inserção dos mistérios da luz preenche, em certo sentido, uma espécie de lacuna que existia entre os mistérios gozosos (Nascimento e Infância) e os dolorosos (Paixão e Morte de Jesus). Eis os traços fundamentais do Rosário, de acordo com o magistério da Igreja. É uma oração evangélica, cristocêntrica, eclesial, contemplativa, e por fim, uma oração dos pobres, porque nos ensina o itinerário da simplicidade, da pobreza de espírito. Desencorajar a oração do Rosário é roubar aos pobres o pão espiritual de cada dia.

(O presente artigo inspira-se em diferentes fontes: E. D. STAID, Rosario, in Nuovo Dizionario di Mariologia, Ed. Paoline, Milano 1986; ANGELO WALS, Il Rosario, Enciclopedia Ma-riana "Theotokos", Ed. Massimo (2a. ed.); PAULO VI, Exortação Apostólica Marialis Cultus, Roma, 1974; JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, Roma 2002).

*Jordão Maria Pessatti, imc, é secretário do Instituto Missões Consolata e sócio da Academia Marial Nossa Senhora Aparecida.

Fonte: www.revistamissoes.org.br

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