??Ele viu e acreditou!??

Roberto Lobo *

As lideranças da Igreja primitiva diante do mistério da ressurreição.

O tempo pascal é um tempo abençoado na vida da Igreja. Embora não tenha o mesmo glamour ou colorido do tempo natalino, a festa da Páscoa contém o coração da fé cristã. A ressurreição de Jesus é a promessa de que Deus, seu amor, justiça e verdade venceram e libertaram a humanidade. Neste espaço, gostaria de abordar um texto do Evangelho de João, proclamado no domingo de Páscoa (Jo 20, 1-9). Embora ele seja tardio, tem o túmulo vazio como pano de fundo e não explica a ressurreição!

Personagens
Interessam-nos os três personagens que giram em torno do mistério da ressurreição numa dinâmica de pressa e suspense: Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado. Os dois primeiros passam por dor, dúvida, procura, e por fim, aceitação do Ressuscitado. Maria Madalena chora, está de luto, e reconhece Jesus somente quando Ele a chama pelo nome. Pedro aparenta estar lento, racional e confuso. Mais tarde, volta atrás e confessa a sua fé. Somente o discípulo amado manifesta um amor incondicional, uma fé intuitiva e inabalável, digno de um místico contemplativo. Os biblistas são da opinião de que os personagens representam as tensões sobre os papéis de liderança entre homens e mulheres das comunidades joaninas.
O Evangelho nos apresenta Maria Madalena que vai de madrugada ao túmulo (para chorar), e nota que a pedra que o fechava estava retirada. Ela corre aos discípulos. O escuro pode significar que ela ainda não tem nada de certeza, está no meio da cruz e do sepulcro. Mais ainda, a imagem nos desloca para a cena da Criação (Gn 1, 1-2), no primeiro dia tudo eram trevas, até que a luz foi criada! Ao receber a notícia, os dois discípulos, Pedro e João, correm ao túmulo.
O evangelista faz questão de dar os detalhes: o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao túmulo (Jo 20, 4). Usa-se este verbo correr para as situações de urgência, apressar-se, sair em disparada para encontrar-se com alguém ou para dar uma notícia. Veja como os personagens giram em torno do mistério da ressurreição!
Os evangelhos sinóticos - Marcos, Mateus e Lucas - bem antes reconheciam tais fatos e os apresentavam com detalhes como medo e susto (Mc 16, 8; Lc 24, 3.10.12.24; Mt 28, 1-2). Há tradições como a de mulheres que visitaram o túmulo (Mc 6, 1-8), a corrida de Pedro ao local (Lc 24, 12) e a aparição de Jesus às mulheres (Mt 28, 9-10). Note-se uma mudança ao longo dos tempos. Se no início, tais acontecimentos apavoravam todos, os mesmos fatos, mais tarde, tornam-se argumento da própria ressurreição.
João reúne num único quadro estes temas e os coloca em duas cenas principais, ou seja, o sepulcro vazio (Jo 20, 1-10) e a aparição de Jesus a Maria Madalena (Jo 20, 11-18).
Contexto
O Evangelho de João foi escrito provavelmente no fim do primeiro século e a comunidade enfrentava momentos de perseguição (Jo 9, 22; 12, 42; 16, 2). Uma tradição antiga identificou o autor como sendo o apóstolo João, muitas vezes comparado com o discípulo amado. Hoje é muito difícil manter tal opinião, e o escritor provavelmente teria sido um dos discípulos de João. Ele tem uma grande familiaridade com o Antigo Testamento e com as festas judaicas. Demonstra conhecimento geográfico, tanto das Sagradas Escrituras, quanto do mundo moderno da época.
A situação de perseguição fez a comunidade joanina usar um linguajar simbólico nas suas colocações, com as imagens tiradas do cotidiano, da tradição judaica e da sociedade. O discípulo excelente por sinal é o amado, que não se apresenta historicamente, embora, todos os da comunidade têm que se tornar como ele. Segundo alguns biblistas, os membros da comunidade joanina, (homens e mulheres) consideram-se mais próximos do Senhor, representados pelo discípulo amado.

Maria Madalena
Apresenta-se como alguém que recebeu o perdão, portanto ama muito, é eternamente grata ao Senhor. Ela o seguiu, ficou durante a paixão ao pé da cruz, acompanhou-o quando os discípulos fugiram. O amor desinteressado Dele cativou-a, e ela ficou. No dia seguinte, o primeiro da semana, vai ao túmulo para chorar diante do corpo dele, desfigurado pela violência, doado para salvar a humanidade. Dela é a capacidade de fazer da vida, - depois de receber o perdão - um ato de louvor da graça de Deus. Ela que correu para dar a notícia aos discípulos, volta ao túmulo e permanece chorando depois que os dois partem: "levaram o meu Senhor!" (Jo 20,13). E recebe a graça do encontro com o Ressuscitado.
Maria Madalena é a última mulher que aparece no Evangelho de João (outras são Maria, mãe de Jesus, a samaritana, Marta e Maria de Betânia, as quais representam a liderança feminina das comunidades joaninas). Ela se torna apóstola dos apóstolos. Ou seja: ela chama Pedro e o discípulo amado para o túmulo vazio e é enviada pelo Ressuscitado com a boa notícia. Ela procura por Jesus, e O encontra; reconhece-O quando é chamada pelo nome, e por fim, como o Mestre (Rabuni).

Discípulo amado
Ele viu e acreditou. Aqui o texto bíblico demonstra a importância da fé na ressurreição, a partir do túmulo vazio. Ele corre à frente de Pedro, deixa-o entrar primeiro no túmulo e sem ter visto a Cristo, acredita.
A fé é mais do que uma simples transmissão de doutrina, a fé é uma experiência nova e viva. Está ligada de perto ao amor, ou é o amor. Fé significa amar a Deus no seu mistério, a maior aventura de uma pessoa. Jesus sempre exigia a fé dos seus seguidores, e a mostrava aos discípulos. Uma fé dessas não pode ser proporcionada pelas leis e dogmas, simbolizada aqui pela pessoa de Pedro! Ao mesmo tempo, o discípulo amado não desrespeita Pedro, embora descubra a verdade antes dele. Ou seja, é bom termos pessoas que corram, mas ao mesmo tempo respeitem Pedro, porque ele recebeu a responsabilidade.

Pedro
É a liderança principal e pela tradição, o chefe da primeira comunidade. Ao receber a notícia, ele corre ao túmulo, chega tarde, vê os vestígios importantes para o testemunho. Ou seja: ele entra e observa os panos de linho estendidos no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus deixado enrolado à parte. O evangelista sutilmente nos diz que na pessoa de Pedro, faltou a fé, a qual sobrou no discípulo amado que vê e crê (Jo 20, 8). O evangelista Lucas também lembra tal situação e a atitude de Pedro quando diz: "saiu admirando o que poderia ter acontecido" (Lc 24, 12). Se encontrarmos falta de fé nas grandes lideranças da Igreja, não é de assustar, a fé pertence mais àqueles que são como discípulos amados, que são capazes de dar um pulo no escuro.
Pedro foi delegado a apascentar o rebanho do Senhor (Jo 21, 7.16). Quanto ao ofício representa a profissão da fé da Igreja. Ele necessita que alguém corra antes dele, uns/umas que amam Jesus. A Igreja só com sua doutrina seria uma Igreja triste, legalista demais. Entre as lideranças que estão no poder, necessitamos umas que corram antes. A Igreja jamais poderá lhes ditar que não corram! O correr antes faz parte da dinâmica de descobrir o Ressuscitado, ao qual tem acesso uns poucos. Os poucos que são capazes de amar mais e de se tornar discípulo permanente, como o discípulo amado, são anônimos.
O texto termina apontando o mistério da ressurreição. O momento e o modo da ressurreição não se descrevem. É um processo que o crente tem que fazer pela fé e amor. Não é algo a ser provado racionalmente, porque transcende a percepção humana sensível. O escritor bíblico apresenta tal fato espiritual e teológico numa maneira direta e simples. Inicia-se para nós o Tempo Pascal e somos chamados pela fé e amor a adentrar neste mistério.

* Ronaldo Lobo, svd, é mestre em Bíblia. Atualmente, formador no Seminario Verbo Divino em Toledo, PR. Publicado na revista Missões, N. 03 - Abril 2012.

Fonte: Revista Missões

Deixe uma resposta

2 × 2 =