Evo, a repressão e o desencanto

Egon Heck *

A repressão à 8 marcha, organizada pelos povos indígenas da região amazônica da Bolívia, fez emergir sérias conseqüências para o governo Evo Morales. Houve manifestações nacionais e internacionais contra a atitude repressiva aos indígenas. A oposição o acusou de genocídio. O presidente reagiu dizendo que "A verdade é que a Tupac Katari esquartejaram fisicamente. A nós querem esquartejar politicamente, utilizando os meios de comunicação" (Rede Brasil Atual,1-10-11). Os marchantes reprimidos, que continuam sua caminhada, expressam seu temor de que a estrada cortando o território Indígena e parque do TIPNIS, seja o caminho de invasão de suas terras e a tomada da mesma pelos cocaleiros e madeireiros.

O antropólogo boliviano Xavier Albó, que está participando da 19ª. Assembléia Nacional do Cimi, em Luziânia, procurou expor o máximo de elementos para a compreensão dos fatos. Caricaturalmente utilizou a própria cabeça para a compreensão geográfica dos acontecimentos. A careca seria o altiplano, a barba a meia luta, e o TIPNIS o bigode. Explicitou os interesses que estão em jogo, especialmente os interesses brasileiros, em expandir seu mercado e ter mais uma saída para o Pacífico, como os interesses geopolíticos do governo boliviano, buscando enfraquecer a oposição da região da "meia lua", com sua base em Santa Cruz. A estrada de 350 km, está sendo realizada pela empreiteira brasileira OAS, sendo a maior parte dos recursos do BNDES, portanto dinheiro público. Pesam sobre a obra acusações de superfaturamento e corrupção.

Desencanto e descenso
Num olhar rápido sobre o governo Evo Marales, seus embates, sua sustentação e seu ascenso, chegando atingir o ápice em 2009. Nessa ocasião o governo chegou a ter dois terços de apoio no Congresso. Essa sensação de poder total, conforme Albó, levou o governo a um distanciamento do dos movimentos sociais, que sempre foram sua base de apoio, e a tomar decisões autoritárias. Começou então um descenso de Evo, que teve seu momento mais forte, em dezembro de 2010, com o "gasolinaço" (proposta de aumento da gasolina em 83%) e se intensificou com a recente repressão à marcha indígena.

Apesar da atitude intransigente de impor a construção da estrada a qualquer custo (conforme recomendado pessoalmente pelo próprio Lula), houve também a atitude inédita de um governante desse continente, de reconhecer o erro e pedir perdão.

De qualquer maneira esses acontecimentos da repressão à marcha indígena deixam mais fragilizado o atual governo, com grandes desgastes internos e externos, além de uma grave crise dentro do próprio governo. A paralisação da construção da estrada e a promessa de uma consulta à população da região, não é o suficiente para restabelecer o diálogo. Os participantes da marcha, que segue até La Paz, exigem uma lei que diga que a estrada não será construída.

O que está em jogo

Evo, desde o início, tentou desacreditar a marcha dizendo que ela era financiada pelos Estados Unidos, pela oposição. Com isso repete a velha estratégia de atribuir a interesses de fora as lutas dos povos indígenas por seus direitos. Isso além de atender a interesses brasileiros, bem ao modelo imperialista. Além disso se rendeu aos interesses de sua base cocaleira, muito interessada na construção dessa estrada.

Os povos indígenas no Brasil e de outros países sul americanos certamente já vivenciaram situações semelhantes, quando estradas cortaram seus territórios. São fatos recorrentes, que tem como conseqüência principal a pressão sobre as terras e recursos naturais, as invasões e saque dos recursos naturais. Esse filme os povos indígenas no Brasil, estão vendo de maneira mais intensa desde a década de 70, do milagre brasileiro. As conseqüências são dramáticas, com a quase dizimação de vários povos indígenas, e outros sob forte ameaça a partir da construção de grandes obras, como hidrelétricas e estradas.

A rigor o que está em jogo e nos explicita a marcha indígena reprimida, é o modelo de desenvolvimento que está sendo levado adiante, de formas diferenciados, mas com a mesma lógica capitalista neoliberal de acumulação e rápida exploração dos recursos naturais. E as conseqüências principais recaem sobre os povos indígenas, e sobre a própria natureza que vai sendo devastada e destruída, colocando em risco a própria sobrevivência do planeta terra.

Que Evo vá muito além do pedido de perdão pela violência e paralização da estrada, e retome caminho de um desenvolvimento em respeito à Pacha Mama (Mãe Terra) e aos projetos de Bem Viver de seus povos

* Egon Heck Povo Guarani Grande Povo. Assessor do Cimi MA.

Fonte: Cimi MS

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