Intercambio Guarani, além fronteiras

Egon Heck *

Yvy Akandiré (terra sagrada) Guarani Kaiowá do Panambizinho, é um sonho que começa amanhecer. É uma criança que começa engatinhar. Mas é, principalmente um desejo forte, unindo sabedoria milenar, com a força jovem diante dos desafios e encruzilhadas do momento presente.

Dentre as estratégias do projeto, estão os intercâmbios com as diferentes experiências e realidades por que passam as mais de mil comunidades Guarani, com mais de 300 mil pessoas, em cinco países da América do Sul. Além da troca de experiências essa é também uma das formas de quebrar o isolamento que os Estados Nacionais e suas fronteiras impuseram ao Grande Povo Guarani. A territorialidade da Grande Nação Guarani é bem diferente e prévia à criação dos Estados Nacionais. Porém, elas se redefinem hoje a partir da realidade geopolítica instituída e buscam trazer novas luzes e reflexões a partir das experiências históricas, das perspectivas e da dinâmica sociocultural, política e econômica.

Coronel Sapucaia (Brasil) e Capitan Bado (Paraguai) limites frágeis que separam e unem milhares de pessoas num crescente comercio, na comunicação trilíngue - Guarani, espanhol e português, na cultura que não se deixa aprisionar por limites materiais ou ideológicos. "Podemos seguir tranquilos" nos orienta nosso guia anfitrião. Apesar de Coronel Sapucaia ser apontado como o município mais violento do país, proporcionalmente ao número de assassinatos, e de serem as fronteiras da região apontadas como preferidas pelo narcotráfico, não nos sentimos afetados por essas estatísticas.

Como diria, com muita sabedoria e serenidade, no vídeo Ñande Guarani, o Paí Meliá "Não se preocupem. Os Guarani não representam nenhum risco, nenhum perigo...eles não querem construir nenhum Estado independente...".Ou como falou e ex-ministro da Cultura, Juca de Oliveira, no encontro de Añetete,"Os Guarani não representam nenhum perigo para o país, muito pelo contrário eles, através da solidariedade transfronteiras nos apontam para novas possibilidades e formas de ver as fronteiras e construir uma fraternidade continental."

Semelhanças e diferenças
A comunidade Pa'í Tavyterã, no município de Capitan Bado, tem mais ou menos a mesma população da aldeia do Panambizinho, um pouco mais de 80 famílias, com aproximadamente 400 pessoas. Panambizinho tem o mais do dobro de terra 1.208 hectares, enquanto a comunidade Paí tem 508 ha. Apesar da reconquista de parte do território Guarani no Brasil tenha sido mais recente (2003), ela representou um marco importante por se tratar da primeira terra Guarani, que nos últimos oitenta anos, teve seu processo de regularização concluídos e retirados todos os não índios. Ambas herdaram uma situação de devastação do território, quase totalmente invadido pelo colonião e braquiária.

A maior diferença está no processo de enfrentamento da situação com relação à recuperação ambiental e de produção de alimentos.

No Paraguai, as comunidades Guarani vivem uma situação de falta de políticas públicas nas áreas de educação, saúde, produção e assistência social. Isso faz com que as comunidade vivem em situação austeridade e pobreza material, porém com a produção de seus alimentos, não contaminados, que lhes possibilita um espaço de autonomia. Já no Brasil, a situação dos Kaiowá Guarani dependem e vivem quase exclusivamente de programas sociais e funcionalismo público (professores, agentes de saúde...) Isso os torna dependentes e vulneráveis às politicas assistencialistas. Essa foi uma das constatações que o intercambio e as reflexões proporcionaram.

Associação Pa'i Tavyterã Reko Pave
Há 17 anos se iniciou um importante processo de discussão e apoio ao processo de produção dos Guarani, a partir de sua cultura, identidade e da filosofia da produção agroecológica, florestal. Para tanto se constitui uma associação , que atualmente é integrada por 16 comunidades. E como base operacional se criou uma área experimental, em que, além de concretizar o sistema e filosofia que orienta a conquista da autonomia e sustentabilidade das atividades agroecológicas, terá a função de informar/formar as crianças e jovens Guarani na perspectiva de fortalecimento da identidade e construção da autonomia através da produção agroecológica.
Houve um deslumbramento na medida em que fomos vendo e sentindo ali aquilo que no Panambizinho ainda é um sonho, ou seja o recuperação da floresta e o cultivo de alimentos em abundancia, apesar da situação adversa do colonião e braquiária.

Porém o que mais impressionou foi a coerência e eficiência do modo de manejar o solo e conseguir vencer o colonião. Aliás este passa de condição de "empecilho e praga", para um alimento do solo, que o torna mais fértil, na medida que vai sendo cortado e integrado ao mesmo. Isso representa um pouco mais de trabalho, como comenta Rodrigo, que foi um dos mentores e iniciadores da Associação, " pois temos alguns princípios que norteiam e são o esteio desse sistema de produção - "não utilização de fogo, em nenhuma hipótese, não utilização de maquinários - como trator, por exemplo, não utilização de nenhuma espécie de venenos ou adubos químicos. Plantio diversificado na mesma roça. Uma das formas Guarani para a realização dos roças familiares é o trabalho de mutirão por grupos macro familiares. Esse sistema tradicional permite unir produção com espaço do encontro celebrativo e prazeroso.Rodrigo comenta. Na verdade, comenta ele, nada mais se está fazendo do que estimular o modo tradicional Guarani, adequado às contingências do espaço de terra atual. Ou seja, se antes podia fazer o roçado rotativamente, hoje tem que ser feito no mesmo local.

No seu relato o líder Elizeu Lopes, representante Kaiowá Guarani na Articulação dos Povos Indigenas do Brasil - APIB, assim se expressou a respeito da viagem de intercambio "Durante essa viagem aprendi muitas coisas, vendo os meus parentes que não depende do governo para sustentar a sua própria família. Eu vi como e que, a sustentabilidades deles, no dia a dia, sem ter o salário próprio, salário maternidades, bolsa famílias, bolsas escolas, sestas básicas etc...Aprendi também que, eles são das comunidades que tem o coração de preservar a natureza, matos, rios, animais e não usando a queimada, fogo para fazer roças deles. Eu me emocionei quando vejo tudo isso, pensando no meus parentes. Guarani/Kaiowá, no Brasil, que vive dependendo da sestas básicas .Como professor e liderança estarei pregando que, é possível trabalhar nas escolas diferenciadas com as crianças e como importante a preservação dos nossos tekohá, onde vivemos e viveremos todos os dias."

No final do primeiro dia, depois de muita informação, sobrou até tempo para uma revanche Paraguai x Brasil. Desta vez não foi precisou ir aos penaltes. Os Kaiowá Guarani do Panambizinho perderam de vários gols. Mas isso só foi mais um momento do intercambio.

Antes de partir um momento avaliativo com direito a saudade antecipada. E a promessa da continuidade dos contatos, visitas, intercambio.

* Egon Heck, Equipe Yvy Akandiré, Cimi, MS.

 

Fonte: Cimi MS

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