O horizonte da economia: a perspectiva da liberdade

Marcus Eduardo de Oliveira *

Basicamente, pode-se agregar à Economia duas orientações básicas: 1) Ser funcionalista; 2) Ser dialética.

No que concerne às funções vitais (ser funcionalista), a Economia se apresenta em algumas dimensões próprias, a saber: estuda o comportamento dos homens; estuda o processo de escolhas; estuda os conflitos entre a existência de recursos limitados e o atendimento aos amplos, diversificados e ilimitados desejos das pessoas; estuda as diferentes possibilidades de produção. Os bons manuais de Introdução à Economia contemplam detalhadamente esses aspectos.

Em relação à função vital dessa ciência, na essência, guardadas suas sutilezas, a principal delas é proporcionar satisfação às pessoas. A palavra satisfação, no dicionário de economia, significa proporcionar uma vida melhor, regada a bem-estar.

Quanto à orientação em ser dialética, no sentido de provocar a discussão (o diálogo), ainda que em tom laudativo ou pejorativo, a Ciência Econômica ganha um aspecto mais interessante ainda, pois nem sempre (ou quase nunca) há consenso entre os economistas. Em não havendo consenso, as discussões pululam. Não por acaso, a arte da discussão entre os economistas, em sentido geral, é um dos pontos que mais chamam a atenção dos observadores. Tomemos, nesse pormenor, apenas uma singela discussão em torno da questão conflitante ou amistosa, dependendo do ponto de vista, entre os campos econômico e o social. Vejamos aqui um ponto de real dissenso entre os economistas em torno desse assunto.

Alguns consideram os mercados, por exemplo, como construtores do campo social. Esses enxergam que os mercados operam, sempre, de modo o patrocinar o bem comum - aquele bem-estar que mencionamos acima. Outros, no entanto, entendem que os mercados são sempre geradores de crises, promovendo, por conseqüência, uma convivência conflituosa com o aspecto social. É o conflito, nesse caso, que se realça. A partir disso, uns buscam construir uma economia civil (civil economy), enquanto outros pautam a realidade econômica apenas pelo lado mercantil, longe, portanto, do civil, do social. Os que, com unhas e dentes, defendem o mercado como elemento de construção da harmonia, de um equilíbrio social e humano, entendem que sempre há e haverá sintonia entre o mercado e o aspecto social. Para os que, entretanto, se colocam numa posição contrária, o mercado dificilmente tende (ou tenderá algum dia) a promover a experiência da sociabilidade humana dentro da vida econômica normal.

Para uns, a teoria econômica está correta em ser centralizada nas mercadorias - e no mercado, por conseguinte; já para outros, contudo, a base de fundamentação teórica da economia é e sempre será a vida humana, com todas as suas manifestações: trabalho, lazer, bem-estar, bem viver, consumo, produção etc.

Dentro dessas manifestações díspares emerge uma importante pergunta: afinal, qual é, de fato e de direito, o horizonte da economia?

Em nosso entendimento, o horizonte da economia é um só: a construção de uma nova sociedade que leva a edificação de algo mais proeminente. O que seria?

Esse algo mais proeminente nada mais é que a libertação do homem. Construir uma nova sociedade significa, pormenorizadamente, promover, antes, a libertação do homem - principalmente sua libertação do jugo econômico. Não há liberdade, e nem poderia haver, sob uma espécie de jugo que determina as ações e os passos de cada um. A libertação do indivíduo decorre, essencialmente, da liberdade econômica, pois isso permite, outrossim, a possibilidade de novos fazeres. Essa possibilidade vem na esteira do desenvolvimento da economia, como bem pontua Amartya Sen em "Development as Freedom". Daí o conceito elementar que prescreve que desenvolvimento promove e é, ao mesmo tempo, liberdade-libertador.

Nesse pormenor, o certo é que só há possibilidade de se construir uma nova sociedade, caso "nasça" um "novo homem". É nesse sentido então que ganha relevância ímpar a relação entre Teologia e Economia, quando se "mesclam" num objetivo próprio e correlato: o objetivo de levar liberdade às pessoas.

É certo que da relação dessas ciências, desses modos de pensar e ver o mundo, que para muitos pode até mesmo não fazer nenhum sentido, dois aspectos tendem a se realçarem e ganham, pois, relevância própria. Vejamos. Se definitivamente entendermos que os modos de pensar da teologia e da economia, em especial no que toca a perspectiva ampla da vida, se afirmam para com (e somente com) as questões que envolvem o viver, teremos clara a noção de que os fundamentos implícitos localizados nessas searas apontam para o fato primordial que busca enaltecer a teia da vida. Quais são, no entanto, esses fundamentos enaltecidos e quais os dois aspectos de maior destaque dessa relação entre a Teologia e a Economia?

Ora, para se viver é necessário produzir bens e serviços. Isso cabe, estritamente, à Economia. O segundo aspecto está relacionado à pobreza - em especial à condição de ser pobre.

Não percamos de vista, nesse pormenor, que a Teologia, essencialmente, faz votos, desde seus textos fundadores, de luta ostensiva em defesa dos pobres. São eles - e ninguém mais - a figura de principal preocupação dos estudos teológicos. Não é por acaso que Jesus, quando inicia Seu ministério, deixa o Jordão e dirige-se à Galiléia. Lá, começa Sua peregrinação teológica por Cafarnaum, lugar que abrigava as comunidades mais pobres dentre as pobres de toda Galiléia.

Pois bem, se do lado teológico tem-se essa premissa em favor da luta contra a pobreza, do lado dos estudos econômicos, entra-se numa discussão de quem (ou do quê) gera essa pobreza que afeta os mais pobres dentre os pobres, afetando todos os pobres em dimensões variadas. É certo, todavia, que a pobreza, vendo-a pelas lentes da economia, não pode ser considerada uma condenação divina, mas, antes, está eivada de condições econômicas que, na verdade, decidiram por sua existência. Na essência, isso significa dizer, grosso modo, que ninguém é pobre por opção, mas todos os que são, assim o são por forças econômicas impostas; forças econômicas que decidem pela existência e até mesmo pela perpetuação da pobreza.

Logo, apenas e tão somente por esses dois aspectos realçados, a relação entre a Teologia e a Economia deve ser cada vez mais salientada e discutida em todos os fóruns que se propõem a discutir o combate à miséria e à desigualdade social.

Para aguçar ainda mais essa discussão, é interessante trazer aqui uma passagem do teólogo peruano Gustavo Gutierrez que salienta tal perspectiva ao afirmar que "ser cristão hoje na América Latina é preocupar-se com o lugar onde os pobres dormirão".

De igual monta, cabe adaptar essa contextualização para o aspecto econômico e também lançar a seguinte pergunta: o que os pobres comerão - se é que terão oportunidade de comer algo.

Nessa mesma linha de pensamento, dom Hélder Câmara assim afirmou: "Quando dou comida para os pobres [eles] me chamam de santo. Mas, quando pergunto por que os pobres não têm comida [eles] me chamam de comunista".

Sabemos muito bem quem são "eles" a quem dom Hélder se referia. Resta apenas fazer com que [eles] não atrapalhem mais a condução da economia para a realização de seu verdadeiro horizonte: construir uma nova sociedade a partir da construção de um novo homem.

* Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor. Articulista dos sites "O Economista", "Portal EcoDebate", jornal Diário Liberdade (Galiza), Zambézia Online (Moçambique) e Agência Zwela de Notícias (Angola). Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Equador, Espanha, Argentina, Estados Unidos e México.
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
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Fonte: http://blogdoprofmarcuseduardo.blogspot.com

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