Eu não sabia que era um escravo?

Francisco José dos Santos Oliveira *

Tudo começa com um moço chamado "gato". Ele chega na cidade com boas promessas. Uma pessoa está passando necessidade e ele diz: "Rapaz, você não quer trabalhar lá no Pará? Lá o serviço é bom, você vai ganhar bem". Aí a pessoa se anima, mas diz que não tem como ir. Ele fala que não tem problema, que o patrão paga adiantado, e dá o dinheiro para pagar a passagem e pra deixar com a família. Aí a pessoa se anima e vai.

Chegando lá, a escravidão já começou. Quando vai acertar a primeira mensalidade com o patrão, este pergunta: "Qual dinheiro que você quer?". - "O dinheiro do meu serviço." E o patrão: "Não, você é que está me devendo. Não dei dinheiro pra sua família, pra sua passagem, as ferramentas que você pegou pra trabalhar? Então, tudo isso está anotado num caderno e vai ser pago, com juro e tudo". Os alimentos que você compra a preços absurdos ajudam a endividar mais rápido ainda. Além disso, a água que se bebe é suja e é a mesma dos animais. Isso sem falar dos vigias que passam armados na sua frente.

Não passava pela minha cabeça que eu estava sendo um escravo, porque pra mim escravidão já tinha acabado. Fiquei com medo, pensei que não ia mais ver minha família e voltar para a minha terra. Eu não tinha uma corda presa nos meus pés ou nas mãos, mas estava amarrado lá, pois não podia sair, não tinha contato com ninguém de fora, estava endividado e em má situação. Os trabalhadores sempre ajudavam que pelo menos um fugisse, para fazer a denúncia e libertar os outros. Depois do nosso resgate, a CPT começou a travar uma grande luta de conseguir um pedaço de terra pra nós trabalharmos e de nos indicar quais eram os nossos direitos e como a gente deveria agir.

Após quatro anos, conseguimos um assentamento, a 700 km da capital Teresina. Embora pareça incrível, as coisas não melhoraram tanto assim. Quando nos deparamos com a totalidade do assentamento, havia um arame farpado bem no meio, pois um fazendeiro já tinha se apoderado da metade da terra. Na parte que a gente está, não foi liberado ainda nenhum tipo de crédito, de habitação, apoio e infraestrutura. Assim, descobrimos que só a terra não basta.

Por um lado, estamos animados, porque estamos trabalhando na nossa terra, mas por outro, estamos desanimados, porque a situação precária faz com que o companheiro esmoreça na luta e se arrisque, voltando para esses trabalhos degradantes. Quase todos sabem como é o trabalho escravo e como fazer para acabar com ele, mas não adianta resgatar o trabalhador da fazenda sem ter toda uma continuidade nesse processo.

* Francisco José dos Santos Oliveira, presidente da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção do Trabalho Escravo em Monsenhor Gil, PI.

Fonte: www.mundojovem.pucrs.br

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