Por uma economia a serviço da vida

Alfredo J. Gonçalves *

O Serviço Pastoral dos Migrantes celebra a 25ª edição da Semana do Migrante.

O fenômeno migratório torna-se uma janela privilegiada para analisar as mudanças substanciais em nível local, nacional e internacional. O Serviço Pastoral dos Migrantes - SPM, seguindo a prática dos anos anteriores, propõe retomar o tema da Campanha da Fraternidade, Economia e Vida, para a reflexão da Semana do Migrante de 2010. Além disso, estamos celebrando os 25 anos do SPM e a 25ª edição da Semana do Migrante.

Rostos, rotas, raízes

O Setor das Pastorais da Mobilidade Humana, da CNBB, lançou o documento Mobilidade Humana no Brasil, Orientações Pastorais. Em suas páginas desfilam os rostos dos migrantes: itinerantes, refugiados e vítimas do tráfico humano; nômades, ciganos, circenses e parquistas; marítimos, pescadores, peregrinos, turistas; trabalhadores dos portos e aeroportos, ferrovias e estradas; imigrantes e emigrantes, boa parte em condição irregular, indocumentados ou "clandestinos"; migrantes temporários, internos ou limítrofes, que correm atrás das safras agrícolas, de grandes projetos ou dos serviços em geral.

Catástrofes naturais fazem emergir a figura dos refugiados climáticos. Milhões de pessoas são forçadas a deixar sua terra natal por causa de terremotos, furacões, inundações ou deslizamentos de terra. Catástrofes que às vezes não passam de reações violentas da natureza a uma ação igualmente violenta que a humanidade exerce sobre ela. Todos esses rostos traçam o retrato das pessoas "em êxodo, exílio ou diáspora". Nele, vem crescendo o número de mulheres e jovens.

Além da fotografia é preciso desenhar o mapa das migrações: de onde saem e para onde se dirigem os migrantes? Quais suas principais rotas? O maior número sobe do sul para o norte: deixam os países da África, Ásia e América Latina, em direção aos Estados Unidos, Europa e Japão. Outra é a rota leste-oeste, dos países da ex-União Soviética para os países europeus. Temos, ainda, as migrações limítrofes que cruzam as fronteiras de países vizinhos, como os hispano-americanos em algumas capitais brasileiras ou cidades fronteiriças. Nas migrações internas, as rotas vão das regiões subdesenvolvidas para as regiões desenvolvidas. Quase todo planeta está envolvido no fenômeno. Uns como países de origem, outros de destino e alguns de trânsito, ou tudo isso ao mesmo tempo. Atualmente, as migrações se revelam intensas, complexas e diversificadas, três adjetivos que exprimem bem a amplitude e a dinâmica da mobilidade humana, bem como as consequências sociais, econômicas, políticas, religiosas e culturais.

Rostos e rotas perguntam pelas raízes das migrações. Por que as pessoas migram? Passa-se da fotografia à radiografia, às causas profundas dos deslocamentos humanos. A luta pela sobrevivência está em primeiro lugar. As assimetrias, desigualdades e injustiças sociais negam uma cidadania efetiva no lugar de origem. Muitos deixam sua terra por falta de recursos e de serviços essenciais, buscando-os em outra região ou país. Saem em busca de um futuro mais promissor.

Mas, a violência também põe em fuga inúmeras pessoas de sua região ou pátria. Conflitos armados e o crime organizado são fatores de expulsão. É o caso dos "desplazados" da Colômbia e outros países. Mas também as famílias que, em silêncio, são obrigadas pelos narcotraficantes a deixarem a periferia de cidades como Rio, São Paulo, Recife, Salvador e outras. Isto sem falar dos países africanos e asiáticos, onde distintas formas de violência desalojam milhões de pessoas.

Podemos ainda apontar os fatores de ordem religiosa ou de trabalho, como peregrinos, caminhoneiros, marítimos ou técnicos de empresas; fatores de ordem política ou militar, de estudo e saúde, de turismo e meio ambiente.

A Bíblia e a Igreja

A Bíblia é a memória de um povo em êxodo. Alguns exemplos: Abraão, o "arameu errante"; a fuga da escravidão, na terra do Egito; a longa caminhada pelo deserto; o exílio na Babilônia; a vida de Jesus e de Paulo, como profetas itinerantes... A Palavra de Deus conta a história de um povo em marcha, na terra provisória, em direção à Pátria definitiva.

A Igreja também nos alerta para o tema da mobilidade humana. A Gaudium et Spes, ao falar dos "sinais dos tempos", afirma que "o gênero humano encontra-se hoje em uma fase nova de sua história, na qual mudanças profundas e rápidas estendem-se progressivamente ao universo inteiro" (GS, 04). É notória a ligação entre as transformações históricas e estruturais, de um lado, e grandes deslocamentos humanos, de outro.

A Instrução Erga Migrantes Caritas Christi insiste sobre o tema ao dizer que "as migrações hodiernas constituem o maior movimento de pessoas de todos os tempos. Tal fenômeno, que envolve cerca de 200 milhões de seres humanos, transformou-se em realidade estrutural da sociedade contemporânea" (Apresentação).

No Documento de Aparecida lê-se que "um dos fenômenos mais importantes em nossos países é o processo de mobilidade humana, em sua dupla expressão de migração e itinerância, em que milhões de pessoas migram ou se veem forçadas a migrar dentro e fora de seus respectivos países" (DA, 73).

As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil enfatizam como fenômeno preocupante "o processo da mobilidade humana, causado, sobretudo, pela busca de trabalho e de condições melhores de vida. A exploração do trabalho, inclusive infantil, chega a gerar condições de verdadeira escravidão. Gera também a vergonhosa exploração sexual, especialmente de crianças e adolescentes" (DGAE, 31).

A serviço da vida

A realidade das migrações e a iluminação bíblico-eclesial conduzem à ação sócio-pastoral. Seguindo as indicações da 25ª Semana do Migrante, trata-se antes de tudo de fortalecer as iniciativas ligadas à Economia Solidária. Com destaque para os projetos que ajudam a frear as migrações forçadas, desenvolvendo condições para a permanência do homem no campo.

Convém ressaltar também a luta pelos direitos básicos dos imigrantes, na busca de leis migratórias mais flexíveis. O direito a uma cidadania real abre as portas para outros direitos, como trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação, endereço fixo etc. Na Igreja não há estrangeiros, somos todos irmãos.

Mas o DNA na Pastoral dos Migrantes é a acolhida, seja aos migrantes internos que chegam de outros estados, seja aos imigrantes que optam por viver neste país. Em termos negativos, a acolhida tem a ver com o combate à discriminação e ao preconceito. Positivamente, nos leva aos serviços de documentação e alojamento, ao diálogo com outros povos e nações e ao reconhecimento dos valores de toda e qualquer cultura. 

* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.
Publicado na edição Nº05 - Junho 2010 - Revista Missões.

Fonte: Revista Missões

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