Fica conosco, Senhor!

Elmo Heck *

Fica conosco, Senhor! é o lema do XVI Congresso Eucarístico Nacional, a ser realizado em Brasília, Distrito Federal, de 13 a 16 de maio. O tema mestre é o encontro com Jesus Salvador que tira a divisão do mundo. Ele é a fonte de unidade, para a vida de todo ser humano. "Trata-se de uma experiência de salvação que se traduz também num movimento de integração pessoal e de harmonia, de comunhão e de solidariedade, que repercute no modo como os discípulos de Jesus se abrem à vida, lidam com as diversas situações do dia-a-dia, no modo como se relacionam com a política e a economia, o meio ambiente, e com toda a sociedade" (Texto-Base p. 7).
O Texto-Base usou as Sagradas Escrituras para se fundamentar teológica e espiritualmente, o que o torna bastante acessível. Ele comunga também com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, e está em sintonia com a 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (DA).

Eucaristia Pão da Unidade

O 1° capítulo do Texto trata da Eucaristia, Pão da Unidade. A referência maior é dada à Eucaristia, encontro com Jesus Salvador na Igreja. Apresentam-se os fundamentos da comunhão, as bases divino-humanas da unidade presente na Eucaristia. O 2° capítulo discorre sobre o Pão da Unidade, Vida dos Discípulos Missionários, "o olhar que se volta para a vida em comunidade e a sua ‘força' eucarística, ‘fermento' de comunhão na sociedade, promovendo a vida" (Texto-Base). O 3º capítulo traz o lema do Congresso Eucarístico, Fica conosco, Senhor!, e oferece a prece dos discípulos missionários de Emaús como ambiente de confiança para uma aproximação das diferentes realidades socioculturais, econômicas, políticas e religiosas (diálogo ecumênico). Neste contexto se apresenta a necessidade de retornar à fonte de comunhão, como fizeram os discípulos de Emaús, e beber da presença do Cristo ressuscitado, para viver neste mundo e assumir a Missão, testemunhando Cristo em nosso meio, e exclamar: "Ele está no meio de nós!"
A Eucaristia é antes de tudo um encontro com Jesus Salvador na Igreja. "E nós contemplamos e testemunhamos que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo" (1Jo 4, 14). Ele restaura a nossa integridade, tira o pecado do mundo e recupera a unidade plena em Pentecostes. Ele continua agindo ainda hoje. "E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!" (Mt 28, 20).
Jesus é aquele que tira a divisão do mundo, porque a experiência de comunhão é a essência humana, mas está constantemente ameaçada. As rupturas são inevitáveis, seja na família, no trabalho, na educação, nos partidos políticos, ou mesmo na Igreja. Como existe a força que provoca a divisão, existe também a força restauradora, pela reconciliação e perdão trazidos pelo Mestre, que, mais do que ninguém, se humanizou até o extremo para conhecer nossas fraquezas e limitações.
A divisão é desfiguração da unidade. É consequência do pecado que afeta o relacionamento com o próprio Deus e entre as pessoas. Está presente desde a origem no coração humano. Estes fatos aconteceram desde o princípio, como narra o livro do Gênesis; com Adão e Eva, Caim e Abel. A quebra da Aliança, feita pela mediação de Moisés, levou o povo à divisão interna, que criou uma sociedade com instituições injustas, desprezando os mais necessitados, o que os levou à queda e ao exílio. Deus, por meio dos profetas, ofereceu a reconciliação para religar a humanidade a si.
"Se a ruptura entre Caim e Abel feriu a fraternidade original, agora um novo relacionamento profetiza a restauração da fraternidade: o relacionamento entre João Batista e Jesus. Em vez da inveja e da ruptura, o maior (Jesus) cede ao menor, vindo até João, para ser batizado por ele. João Batista, por sua vez, anuncia que Jesus é o que batiza no Espírito Santo, e reconhece não ser digno nem mesmo de tirar-lhe as sandálias" (Texto-Base).
É Jesus Eucarístico o anunciador da salvação, fonte inesgotável de unidade. O querigma (anúncio da Boa Nova) apresenta sempre a tríade: vida, morte e ressurreição de Jesus. Nesta tríade está a Nova Aliança de comunhão e unidade. Por isto, na celebração da missa, dizemos: "Fazei isto em minha memória" (Lc 22, 19). A celebração eucarística é, portanto, uma verdadeira festa da unidade - unidade conquistada pelo sacrifício do Cordeiro de Deus. Somos sustentados no dinamismo unificador da presença eucarística de Jesus: "Sob a espécie do pão te é dado o corpo, e sob aquela do vinho, o sangue, a fim que, sendo partícipe do corpo e do sangue de Cristo, tu te tornes concorpóreo e consanguíneo com Ele" (Cirilo de Jerusalém, Catequeses Mistagógicas IV, 3).
A unidade, alimentada na Eucaristia, é para todo homem e toda mulher, para a salvação do mundo. Toda humanidade é beneficiada pela celebração de cada missa. Os discípulos são convertidos em missionários eucarísticos. As palavras do Mestre ainda ressoam nos seus ouvidos ("que sejam um"), e reconhecem a necessidade da profunda comunhão entre eles. Essa unidade em Jesus Eucarístico torna-se dom para os filhos, e dom dos filhos de Deus. "Nossa participação no corpo e sangue de Cristo age de tal modo, que nos transformamos naquele que recebemos" (Leão Magno, Sermões 12 - De Passione).
O texto aponta a unidade trinitária a partir da Eucaristia como laço que reforça as Pessoas Divinas em uma comunhão. "O amor é uno. Tendendo à unidade, que é sua essência, absorve ou é absorvido. (...) Ora, a Eucaristia, por ser a quintessência de todos os Mistérios da Vida do Salvador, é o absoluto do amor de Jesus Cristo pelo homem. Tudo o que Jesus Cristo fez, da Encarnação à Cruz, visava o Dom Eucarístico, visava a sua união pessoal e corporal com cada cristão pela Comunhão, em que via o meio de nos comunicar os tesouros da sua Paixão, as virtudes da sua Santa Humanidade, os méritos de sua Vida. (...) A Eucaristia deve ser também o absoluto do nosso amor a Jesus Cristo, se quisermos alcançar, de nossa parte, o fim a que ele se propôs na Comunhão: transformar-nos nele pela união" (São Pedro Julião Eymard, A Divina Eucaristia, p. 236s).

Pão da Unidade, Vida dos Discípulos Missionários

Este é o tema do 2° capítulo, que apresenta o processo orgânico da vida dos Apóstolos, após o mandato missionário, para organizar o caminho da Igreja. Surge a vida em comunidade marcada pelos valores evangélicos e a unidade eucarística, a comunhão orante e a partilha total dos bens e de si mesmos, para o bem de todos.
Jesus esvazia-se, para gerar comunhão, dando o exemplo, que é seguido pelos discípulos. Não sempre a comunidade consegue viver esta comunhão, mas isto é fruto da falta de esvaziamento total de si. Jesus deu o exemplo no lava-pés. "Naquele momento, Jesus quis indicar a medida do amor que tinha para com os discípulos, um amor sem reservas, disposto a fazer o bem até o limite extremo de dar a vida pelos amigos" (Jo 15, 13). São Paulo, aos Filipenses, apresenta este grande mistério do esvaziamento total de Jesus. Ele, sendo de condição divina, não considerou o seu ser igual a Deus, mas despojou-se, tornando-se servo, semelhantes aos homens. O hino termina dizendo que ele se abaixou, "tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz".
A vida dos discípulos missionários começa em comunidade, e é vida na comunidade. É ali que a vida da Eucaristia sustenta com maior realismo a fragilidade da vida humana. É na comunidade que assumimos as limitações e a necessidade de apoio e acolhida dos irmãos, gerando diálogo, compreensão, partilha, acolhida e gratidão. É a Eucaristia que torna possível esta unidade, não obstante a nossa cultura atual, que privilegia o individualismo e o isolamento, como afirma o Texto-Base: "nossa cultura valoriza, ao contrário, os que fazem suas conquistas sem necessitar dos outros. Sob tal influência, todos querem ser independentes e autônomos. Somente pela experiência de viver em uma comunidade cristã que celebra as dinâmicas ‘rotineiras' do amor, na liturgia e no compromisso entre irmãos, podemos superar os sentimentos e atitudes auto-suficientes".
A comunidade vive da Eucaristia. É a Eucaristia que faz a Igreja. É um mistério, porque é dom de Deus e é obra d'Ele. A Eucaristia conduz-nos à liberdade, à unidade e à disponibilidade para a Missão.
É Mistério de Comunhão, à medida que o Cristo, na Eucaristia, nos transforma, nos une, a exemplo da Trindade, que é uma Comunidade de Amor. O que une a comunidade cristã é a ação transformadora de Jesus Cristo em cada um, e não as nossas afinidades humanas. Este mistério da comunhão, quando autêntico, tende à Missão, a manifestar a todos o amor encontrado na Eucaristia: "a finalidade de tudo é a caridade" (Santo Agostinho, Carta a Proba, Se I. 44,65-68).
"Foi Ele que quis a Igreja como lugar, onde, de fato, o podem encontrar" (RM 47).
O sacrifício cristão, fonte de vida nova e porta para a vida verdadeira, consiste em "tornar-se" Eucaristia, como Jesus. Não se pode esgotar no simples fato de participar da missa e da comunhão aos domingos. É a Palavra de Deus e a Eucaristia que orientam as escolhas em favor da vida. Buscar a vitória da vida é louvor e adoração a Jesus Eucarístico. Assim desperta o testemunho cristão nos primórdios da Igreja, que ainda é válido em nossos dias: "Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. (...) Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne; moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem às leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis. Amam a todos, e são perseguidos por todos; são desconhecidos e, apesar disso, condenados; são mortos e, desse modo, lhes é dada a vida; são pobres, e enriquecem a muitos; carecem de tudo, e têm abundância de tudo; são desprezados e, no desprezo, tornam-se glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos; são injuriados, e bendizem; são maltratados, e honram; fazem o bem, e são punidos como malfeitores; são condenados, e se alegram como se recebessem a vida" (Padres Apologistas: Carta a Diogneto, 5).

Fica conosco, Senhor!

Fica conosco, Senhor! é lema e do XVI Congresso Eucarístico Nacional e o 3º capítulo do texto preparatório. É a súplica dirigida a Jesus pelos discípulos de Emaús, que ora tornamos nossa. Vivendo Jesus Eucarístico, Pão da Unidade e Vida dos discípulos missionários, sentimos o coração revigorar-se com sua presença permanente, porque constantemente reparte o pão, e nisso o reconhecemos vivo entre nós.
"É pelo reconhecimento do Ressuscitado que os discípulos missionários não têm receio de viver neste mundo, assumindo ‘o entardecer' em tão numerosas situações. Para os que creem, a presença de Jesus Eucarístico oferece novo olhar sobre o mundo que os cerca, ela os convoca à Missão pascal, e as situações obscuras são iluminadas pelo testemunho de vida e pelo anúncio convicto de que Jesus, vivo, permanece junto aos seus para a salvação da humanidade inteira" (Texto-Base, p. 60).
Os atuais modelos socioculturais, econômicos e políticos já estão entardecendo. Precisam ouvir a Palavra do Mestre, e arder os corações com a presença de Jesus, e convidá-lo para ficar com eles. Quem sabe, com a partilha de Pão Eucarístico, não o reconhecem como aquele que tudo partilhou, pela vida do mundo. A indigência e o sofrimento do povo não são vontade de Deus. São as estruturas criadas pelos seres humanos, sem a presença daquele que partilha inclusive a si mesmo, Deus. É preciso descobrir que o ‘entardecer' das estruturas sem ética, baseadas no mercado e no lucro, avança no relativismo, criando um ambiente bastante favorável ao isolamento e individualismo, reduzindo consideravelmente os valores de comunhão e solidariedade, gerando a astúcia do agnosticismo, sincretismo e a libertinagem que deságua no hedonismo e violência cada vez mais acentuada.
Diante da morte do Mestre, os discípulos estavam sem rumo e confusos. Para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve. Com a morte dos valores humanos e a agonia da dignidade das pessoas, o mundo não sabe para onde ir, e, portanto, segue todos os caminhos que não levam a lugar nenhum. Torna-se necessário convidar o Ressuscitado para ficar conosco, e deixar-nos guiar por ele no caminho da vida, da verdade e da certeza da estrada dos valores terrenos e eternos. Nascerá a aurora das comunidades eucarísticas por um mundo solidário e missionário. Isto restaurará a unidade dos cristãos, porque todos caminharão para Jerusalém, para narrar as maravilhas do encontro com o Senhor. Quem recebe o Pão da Unidade será Eucaristia de comunhão com todos. Maria foi, é e será a mulher eucarística, espelho da unidade, aglutinando sempre em Cristo aqueles que ainda estão fechados pelo medo da mudança.
A Eucaristia exige Missão. Ela é a "forma, a fonte e o modelo operante, que opera em si mesma a vida comunitária e pessoal dos cristãos" (dom Carlos Martini). Por isto, é a partir da Eucaristia que deve ser estruturada a vida da Igreja. Fica conosco, Senhor!

* Elmo Heck é assessor teológico das Pontifícias Obras Missionárias. Pároco em Curitiba, PR.

Publicado na edição Nº03 - Abril 2010 - Revista Missões.

Fonte: Revista Missões

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