Repensar o cárcere

Haroldo Caetano da Silva *

Esqueça tudo o que você ouviu sobre função preventiva do cárcere. Prisão não é lugar de reeducação, tampouco tem função ressocializadora. Prisão é espaço de castigo. E só. Preso é preso mesmo. Por favor, não o chame de "reeducando".

Se nos presídios bem estruturados dos países civilizados a prisão não melhora o criminoso, nas nossas masmorras ela aniquila o sujeito. O que é comemorado pelo senso comum como justo castigo ("preso tem é que sofrer mesmo") é, também, fator que leva ao incremento da criminalidade mais violenta. A reincidência, praticamente única porta que se abre ao ex-detento, demonstra esse fato.

Ressocialização não passa de um discurso mentiroso e vazio, construído para justificar o encarceramento de homens e mulheres que um dia cometeram crimes. Dessa "bela mentira", que trato em meu Ensaio sobre a Pena de Prisão (Juruá, 2009), é que nasce a progressão prisional e os regimes semiaberto e aberto, "mais suaves", de cumprimento da pena, como se o preso fosse uma máquina programável, objeto dessa prática que melhoraria gradativamente o criminoso: a prisão. Tais regimes prisionais merecem reflexão serena. Ou o homem deve estar preso ou em liberdade. Esse meio termo do regime semiaberto, nos moldes atuais, apresenta-se insustentável.

Reflexo da desumanização daquele que vai para a prisão, o sujeito que chega ao semiaberto está certamente em piores condições do que antes. Surpresa haveria se ocorresse o contrário. O que esperar desse homem desumanizado? Que seja dócil, amável, respeitador dos seus semelhantes? O criminoso, tratado como coisa desde a primeira detenção, em que foi transportado como bagagem em porta-malas de viaturas policiais (você já parou para pensar sobre essa prática tão comum?), deve agora, após anos de confinamento em espaços altamente degradados, comportar-se de forma exemplar... fala sério!

Os crimes de Luziânia aconteceram não porque soltaram um bandido perigoso, mas porque um homem brutalizado, com a saúde mental comprometida, bastante piorado após um longo período de encarceramento, foi devolvido pelo sistema penal ao seu meio. Não se pode sequer afirmar que alcançou a liberdade (!?). Basta examinar qualquer preso brasileiro para que se detecte o comprometimento, em maior ou menor intensidade, de sua saúde mental, muitas vezes com transtornos severos, preexistentes ou agravados pelo cárcere. Embora não seja fator isolado, o tratamento ruim que o senso comum propõe para os presos tem esse efeito colateral.

Agora virão as propostas emergenciais de sempre, de forma a incrementar o discurso da vingança nos momentos de comoção em que se clama por justiça: aumento das penas, pena de morte, redução da idade penal, prisão perpétua, exames psicológicos para avaliar a liberação de presos etc. Acontece que as receitas de sempre trarão previsivelmente os resultados de sempre. E daqui a pouco teremos novas tragédias, derivadas desse comportamento da sociedade brasileira que, tal qual faz o avestruz, esconde a cabeça na areia ao primeiro sinal de perigo.

Isso quando, escapando do discurso fácil, poderia o momento ser aproveitado para um repensar do cárcere, sobre bases mais verdadeiras e consentâneas com a sua função. Afinal, prisão é castigo, sim. Aliás, é só isso mesmo! Mas deve ser aplicada e executada de forma que respeite a condição humana do preso.

A barbárie cometida contra os jovens de Luziânia, cidade tão próxima do centro das decisões nacionais, talvez possa trazer luz, iluminar esse caminho e, sob uma receita nova, fazer alguma diferença.

* Promotor de Justiça e Colaborador da Pastoral Carcerária.

Fonte: O POPULAR / pastoralcarceraria.org.br

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