Páscoa 2010

Marcelo Barros *

"Eu vi um céu novo e uma terra nova. (...) E vi a cidade santa, a nova Jerusalém, descer do céu, de junto de Deus, bela e ornamentada como uma noiva que se apronta para o esposo..." (Apoc 21, 1 ss).

Queridos irmãos e irmãs,

É Páscoa. Somos chamados a contemplar e seguir os passos de Deus libertador que se manifesta neste mundo (Páscoa significa passo não de quem passa aleatoriamente, mas de quem chega e fica). Cada vez mais, queremos vislumbrar em todo o cosmos uma espécie de imenso "corpo divino", no qual procuramos viver uma nova relação de comunhão amorosa conosco mesmo, com as outras pessoas e com o universo inteiro. A primeira lua cheia desta nova estação, tão bela e que estende sobre a terra o seu caminho de luz, nos chama a venerar a Terra, as Águas e a própria noite que se transforma em madrugada de um novo dia. Apesar de que os rituais indígenas de cura da Terra Mãe e, no Candomblé, a festa das águas de Oxalá, ritos da primavera do hemisfério sul, se dão em setembro, já podemos celebrar no coração uma Páscoa nova e universal.

Nas comunidades judaicas, a festa pascal recorda que a vocação de todo ser humano é ser livre. O chamado divino é sempre libertador, no plano social e pessoal. Só existe Páscoa se entrarmos sempre de novo neste processo de verdadeira libertação. Quando tínhamos o mosteiro de Goiás, em cada vigília pascal, dedicávamos uma boa parte da celebração a meditar e conversar sobre as Páscoas divinas que estão ocorrendo hoje no mundo e em torno de nós. Neste sentido, estou convencido de que não podemos deixar de valorizar a ação pascal do amor divino nas conquistas sociais e nos novos processos políticos que se iniciam em vários países da América Latina, (Bolívia, Equador, Venezuela e agora Uruguai), embora ainda sejam incipientes e contraditórios. No Brasil, este ano de eleições, não deixa de ser para nós, ocasião de exigir dos/as candidatos/as que pedem nossos votos, garantias mais profundas de que se manterão as conquistas já feitas, no sentido de um Brasil mais justo, mas também o compromisso efetivo de passos novos, na direção de uma mais equitativa distribuição de renda, de uma reforma agrária justa e um desenvolvimento que não seja só econômico, tipo PAC, mas eco-social e respeitador das águas e dos povos empobrecidos. Não seria de acordo com a fé pascal dizermos "fiquemos no que é possível" e nos contentarmos com uma espécie de acomodamento que nunca levará ao novo que o Apocalipse anuncia ao falar em "um novo céu e uma terra nova". É claro que essa dialética entre a profecia e o que é possível faz parte da história e também não seríamos fiéis à libertação pascal se nos refugiássemos em um purismo transcendental utópico, mas irrealizável. Temos de garantir os pés na terra e, como dizemos na eucaristia, "corações ao alto!".

Nesta Páscoa, a paixão de Jesus toma a forma da dor e da tragédia no Haiti, saqueado e arrasado pelos terremotos ecológicos, mas também de uma ocupação colonialista dos Estados Unidos e de outros países. Como ser testemunha e promotor de ressurreição neste contexto?

Para mim que sou cristão, a festa da Páscoa tem uma dimensão afetiva imensa e renovadora. Ela vem me estimular a abandonar todo acomodamento e "ressuscitar" com Jesus Cristo para um modo de viver novo e de ver as pessoas como Deus vê. Serafim de Sarov foi um monge russo vivia nas florestas (século XIX). Como Francisco de Assis, vivia uma profunda comunhão com a natureza. Conversava com as feras, cantava com os pássaros e acariciava as árvores. De vez em quando, ao caminhar pela floresta, se encontrava com andarilhos e pessoas fugidas da sociedade. Ao vê-los, se inclinava e depois de orar, dizia: "Ao ver você, irmão (irmã), vejo que de fato o Cristo ressuscitou!".

Que Deus fortaleça em nós este olhar pascal. Para cada um/uma de vocês, um abraço muito afetuoso do irmão Marcelo

* Monge beneditino e escritor.

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