Evangelização do Meio Universitário

Eduardo Benes de Sales Rodrigues

O impacto da secularização e da cultura chamada de pós-moderna se faz sentir, em primeiro lugar e com especial intensidade, no meio universitário. O estudante universitário vive em um universo cultural próprio com seus valores e seus desafios peculiares que exigem uma maturação da fé que lhe permita responder com inteligência e segurança às questões emergentes dos avanços das ciências, em todas as frentes do saber, e das correntes de pensamento que plasmam seu ambiente cultural.

Não basta para ele a catequese comum oferecida nas paróquias tradicionais que não leva em conta as questões que a vida universitária levanta em seu espírito. As celebrações da liturgia dominical nem sempre satisfazem suas expectativas reais. As relações mais determinantes de seus sentimentos e de seu comportamento, ele as vive no meio universitário ou a partir desse meio. O tempo de universidade tem uma influência decisiva sobre seu modo de pensar, sobre suas decisões e sobre seu futuro engajamento na vida da sociedade.

É missão da Igreja fazer-se presente nesse meio e criar as condições para que todos os estudantes, bem como todos aqueles que constituem a comunidade universitária, possam receber o anúncio do evangelho, aprofundar seu conhecimento em confronto com as grandes questões da cultura atual, viver na liturgia o mistério de Deus e encontrar luzes para a própria vida, aprendendo também a se colocarem dentro da história como "sal e luz", participando assim da construção da justiça e da paz social.

A grande questão que se põe para nós, Igreja, é essa: o evangelho está chegando de verdade ao meio universitário e está exercendo real influência nesse meio? Há quem o anuncie e testemunhe diante das pessoas, estudantes, docentes e funcionários? Os universitários, batizados pela Igreja em sua maioria, têm oportunidade de se sentirem Igreja de Cristo, experimentando a Comunhão eclesial na liturgia e na caridade? Os cristãos se reconhecem tais no ambiente universitário e se unem no sentido de oferecerem sua contribuição para a vivência da fraternidade e da solidariedade em seu meio? As questões e dificuldades, do ponto de vista da fé e da ética, emergentes em sala de aula, ou em outras instâncias da vida universitária, são objeto de reflexão por parte dos cristãos de modo a perceberem que sua fé é preciosa no sentido de ajudar a encaminhar essas questões?
Missão da Igreja (DGAE)

EVANGELIZAR, a partir do encontro com Jesus Cristo, como discípulos missionários, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, promovendo a dignidade da pessoa, renovando a comunidade, participando da construção de uma sociedade justa e solidária, "para que todos tenham vida e a tenham em abundância"(Jo 10,10).
Exigências intrínsecas da evangelização

Evangeliza-se servindo. "Vim, não para ser servido, mas para servir". A Igreja não se faz presente para dominar ou para instrumentalizar as instituições a serviço de interesses corporativos ou proselitistas. Sua presença é no sentido de servir á pessoa e á comunidade, promovendo a pessoa e procurando estabelecer na comunidade humana relações fraternas. Interessa-lhe que a universidade realize sua missão de preparar profissionais competentes e comprometidos com o bem comum. E nisso ela muito poderá contribuir, pois a mensagem do evangelho se situa toda ela nessa direção. Por isso a Igreja, presente no meio universitário deverá estar atenta às necessidades de todos os membros da comunidade universitária, para ajudá-los em suas dificuldades e em suas aspirações.

Evangeliza-se, dialogando. O diálogo é, em primeiro lugar, escuta. Ouvir, entender para dizer uma palavra - a do evangelho - significativa que responda de fato à inquietação do irmão. Sem profundo respeito e amor pelo outro não é possível evangelizar. Evangelizar não é moralizar, não é impor, não é vencer o outro pela força da retórica, mas propor-lhe, respeitosamente, aquilo em que se crê e se experimenta ser resposta existencial para a própria vida. São Paulo considerava um tremendo pecado não anunciar ao outro o evangelho da salvação: "ai de mim se eu não evangelizar". Este diálogo há de se fazer com a cultura moderna, forjada pelo desenvolvimento científico e muito presente no meio universitário, com os irmãos de fé cristã de outras confissões, no sentido de juntos testemunhar na oração, no serviço e na caridade a nossa comunhão - embora imperfeita do ponto de vista do conteúdo da fé - em Cristo e com os irmãos de confissões religiosas não-cristãs.

Evangeliza-se testemunhando a comunhão. Os cristãos devem se reconhecer como tais no meio universitário e ali viverem o mandamento novo do amor: "Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei" ou: "nisto reconhecerão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros" ou: "Pai, que eles sejam um como eu e tu somos um e o mundo creia que me enviaste". Esta comunhão, cultivada e alimentada na celebração eucarística, deverá se estender a todos os irmãos universitários a partir dos que estudam na mesma sala e na mesma faculdade - ou curso - ou juntos prestam serviço à comunidade. Este testemunho é a base de toda a evangelização e, de certa forma, nele se inclui o serviço e o diálogo como sinais do verdadeiro amor.
Evangeliza-se anunciando

O que é evangelizar? A evangelização é "uma realidade rica, complexa e dinâmica" e, por isso "é impossível captá-la se não se procura abranger com uma visão de conjunto todos os seus elementos essenciais" (EN 17). Nesta realidade "rica, complexa e dinâmica" uma coisa não pode faltar nunca: "não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino, o mistério de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, não forem anunciados" (EN 22). E ainda: "A evangelização há de conter também sempre - ao mesmo tempo como base, centro e ápice do seu dinamismo - uma proclamação clara que em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens, como dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus" (EN 27). Prestemos nossa atenção nos dois advérbios: "nunca" e "sempre". "Não haverá NUNCA" e "há de conter SEMPRE" são expressões tão fortes que até nos fazem perguntar: "por que será que o papa insiste nisto que é tão óbvio, tão evidente"? É que sem isso não há nem Evangelização, nem Igreja, nem Pastoral. O encontro com Cristo Vivo, e nele a comunhão com o Pai no Espírito, é a razão de ser da Igreja, constitui seu mistério e a raiz permanente de sua missão. Este anúncio é o quérigma. Sem ele a Igreja morre porque lhe faltarão os convertidos, novos seguidores de Jesus, novas testemunhas. Este anúncio tem que chegar a todos oportunamente, como expressão proclamada do testemunho vivido. O outro que viu e entrou em contato com uma comunidade eclesial verdadeira há de levantar-se a pergunta: "por que eles são assim?" "De onde lhes vem essa alegria, esse espírito de serviço, essa disponibilidade em ajudar, esse senso de solidariedade?". Aqueles que vivem no meio universitário devem poder entrar em contato com essa experiência e devem ter a oportunidade de ouvir o querigma, dar sua adesão a Jesus cristo e encontrar na comunidade Igreja o espaço para o crescimento e a maturação da própria fé. O documento de Aparecida insiste sempre de novo no encontro com Cristo propiciado pelo querigma. Assim; "Esse encontro com Cristo deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoa e pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade. O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade de discípulo de Jesus cristo" (278a). O querigma institui o discipulado e é sua alma. Fala-se de ética e de estética como duas dimensões fundamentais da presença da Igreja no meio universitário. Sem o querigma a ética fica sem alma. Se por dimensão estética se entender o encantamento que o Verbo feito carne - a beleza do mistério - produz no espírito, então retornamos ao querigma como anúncio que leva à contemplação a ser experimentada na liturgia e na oração.

Diante de tudo isso parece-me ser urgente uma presença qualificada da Igreja no meio universitário. Como poderá isso acontecer?

1. Penso que todo católico, que participa plenamente da eucaristia e que é membro da comunidade acadêmica, onde vive preciosa parte de sua vida e desenvolve sua principal atividade, é chamado pelo Senhor a ser missionário em seu meio. É por esses que devemos começar. Estão convocados e são enviados pelo Senhor. Para isso receberam o Espírito Santo.
2. É preciso organização. Descobrir os irmãos de fé que talvez estejam na mesma sala, mas que, por se desconhecerem, vivem sua fé na paróquia do próprio bairro, mas receiam professá-la publicamente no espaço universitário, muitas vezes considerado hostil. Que cada faculdade tenha sua comunidade, ou grupo, que se reúne para a oração e para a reflexão em torno das questões vividas no meio e planejem sua ação no sentido de fazer o evangelho presente.
3. Criar um espaço mais amplo onde possa se reunir toda a Igreja presente no meio universitário para celebrar sua fé na liturgia e aprofundar o conhecimento da doutrina de Cristo com suas implicações éticas e históricas.
4. A paróquia universitária ou capelania - ou algo semelhante - poderia ser esse espaço, tendo á frente um ou mais sacerdotes, sob a orientação do bispo, espaço no qual se oferecerá á comunidade universitária o conjunto dos meios necessários para uma plena vivência do evangelho como se faz nas paróquias convencionais. Ela coordenaria todas as manifestações de vida eclesial no meio universitário, apoiando todas as iniciativas de evangelização do meio e criando outras necessárias para uma presença eficaz da Igreja.

Conclusão

É preciso encontrar os caminhos concretos para implantar esse processo. Isso se faz na oração e na reflexão, começando de alguma forma. A Igreja tem o dever e a vocação de se tornar presente, com uma presença forte, significativa, em todos os espaços da vida universitária para que o evangelho, força de salvação, fermente a gestação de uma sociedade nova, baseada na verdade e na prática da justiça. Essa tarefa é missão de todos aqueles que professam a fé em Jesus Cristo e que participam da vida e das atividades que constituem a vida universitária.
* Arcebispo de Sorocaba e Responsável pelo Setor Universitário - CNBB

 

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