Já sabemos o que vai acontecer daqui para frente...

Johannes Gierse *

Já sabemos o que vai acontecer daqui para frente -
não sabemos, que decisão cada um/a vai tomar´´´´

Após três semanas no Nordeste, onde participei do encontro dos frades da nossa Província em Bacabal e visitei as comunidades de Lago da Pedra, Piripiri e Teresina, retornei a São Paulo. Encontrei os paulistanos em clima bem diferente daquele de início de janeiro: o povo está preocupado, vive com medo! O assunto principal são os temporais, as enchentes que há 40 dias não param. "A natureza não agüenta mais!" ouvi falar uma passageira no ônibus. O motorista respondeu: "Cada ação provoca uma reação..."

Os acontecimentos do mês de dezembro têm a sua continuidade e seu agravamento em janeiro: Angra dos Reis, Ilha Bela, São Luis do Paraitinga, São José do Ribeirão Preto, Grande São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro. As imagens freqüentes na TV já são familiares a nós: correntezas de água, os dramas das pessoas desesperadas, destruição de ruas, estradas, casas, carros... equipes de resgate, cães, mortos embrulhados em sacos, caixões. A Folha de São Paulo do dia 27 de janeiro escreve na primeira página: 62 mortos desde o dia 1º de dezembro; uma de cada cinco cidades (132 de 645) do Estado de SP teve prejuízos; 26 cidades decretaram emergência. Por isso, já sabemos o que vai acontecer em breve, pois já sabemos o que está acontecendo hoje, basta olhar os fatos a olho nu que são índices claros e projetá-los e potencializá-los para os próximos dias, meses, anos.

A "previsão do tempo" dos noticiários diz o seguinte: "O verão no Brasil está mais chuvoso nas regiões Sul e Sudeste por causa do El Niño, fenômeno climático ocasionado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial... Já no norte do Amazonas e do Pará e no centro do Maranhão até a Paraíba choverá menos... De acordo com o INPE, no verão passado o cenário era diferente - mais chuvas no Norte e Nordeste e seca no Sul -, devido aos efeitos do fenômeno La Niña, contrário ao El Niño."

Os políticos se manifestam cada vez mais a respeito das enchentes. Lula, por ocasião do aniversário do município de São Paulo, cobrou a união entre prefeitos, governadores e o governo federal para resolver o problema e afirmou que "está na hora de a gente sentar e tentar encontrar uma alternativa definitiva para resolver o problema das enchentes... Não é culpa do prefeito, do governador ou do presidente individualmente. Possivelmente seja culpa de todos nós, que precisamos sentar com muito mais gente e tentar oferecer uma alternativa para melhorar a qualidade de vida desse povo que sofre todo ano."

Kassab, prefeito de São Paulo, Kassab, faz um passo a mais e falou de mudanças climáticas pedindo a população que colabore por meio de ações preventivas contra as enchentes. "O esforço coletivo é do poder público, mas também é fundamental a cooperação dos cidadãos para que o lixo não fique na rua em horário inadequado, que as pessoas não joguem lixo na rua e dessa maneira possamos ser uma cidade melhor". Conforme Kassab os problemas são conseqüência de "desequilíbrios climáticos que expõem as vísceras os nossos problemas de infraestrutura, trânsito e transporte, com reflexos sociais e econômicos desastrosos... Não adianta acusar o passado, mas enfrentar o presente" (cf. Último Segundo do IG, 25/01/2010).

Porém, raramente a mídia e os políticos identificam as verdadeiras causas: o estilo de vida individualista, materialista e consumista que se tornou o paradigma único do nosso mundo. É a nossa cultura, chamada "civilizada", que causa tudo aquilo que está acontecendo de forma catastrófica, acelerada, irreversível. "A vida que vivemos é feita de escolhas e decisões, muitas vezes feitas ou tomadas por impulsos, interesses, condicionamentos, alienações, etc. Mas, nada disso acontece sem que haja decisão" (Frei Fernando Hansen, OFMConv no blog Brasil Franciscano).

Com um pouco de bom senso entenderemos que o mundo de hoje e seus acontecimentos demonstram o tipo de escolha feita por nós. De fato, ouvindo o povo do Norte ao Sul do Brasil, mais e mais pessoas chegam a essa conclusão: "Somos nós que somos responsáveis por tudo isso!"

Chegando a este ponto, resta somente uma única pergunta: Que decisão, que escolha cada um/cada uma vai tomar? É exatamente isso que ainda não sabemos. Sabemos que existem unicamente duas alternativas:

Ou a gente vai fazer de conta de que não sabemos as causas ainda, que tudo isso é "natural" etc. Outros ainda vão tentar de se adaptar às mudanças climáticas, às enchentes e secas, caiando as casas sujadas pelo lodo da água, pagando seguros caros para todas as eventualidades de desastre, aceitando os preços cada vez mais altos para os alimentos, a água e a energia, migrando para lugares "seguros" e salvando-se quem poder... Enfim, vamos nos acostumar a essas "imagens de horror" que, como a gente espera, sempre atingem os outros? Vamos ter compaixão e força para ajudar tantas vítimas?

Ou, então, vamos sanar as raízes da crise solucionando as suas causas verdadeiras? Vamos começar a conviver com o "DNA da vida" que marca nosso planeta respeitando sua ordem? O que significa isso "trocado em miúdo"? Mas falar português! Os inimigos de uma economia justa e sustentável, os culpados principais dos desequilíbrios ecológicos nunca iremos combater e vencer "de frente"... eles são mais fortes do que todos nós. Mas

- a agroindústria que acaba com a biodiversidade (lembrete: a ONU declarou o ano de 2010 o Ano da Biodiversidade) e é a causa principal do desmatamento da Amazônia será combatida quando mudamos nossos hábitos alimentares, prestando atenção no que comemos (carne) e dando preferência à produção familiar, cooperativa, orgânica...

- a construção de novas barragens hidroelétricas - agora será construída a 3ª maior do mundo em Belo Monte do Pará - que causam impactos socioambientais gravíssimos, somente iremos frear quando começaremos usar menos energia e usaremos fontes alternativas de energia, quase gratuitas, como o sol e o vento...

- a indústria automobilística, um dos setores que gera mais emprego, mas também aquele que suga as matérias primas cada vez mais escassas no planeta, e que nesta crise econômica recebeu dos Governos ajudas financeiras de um volume imaginável; a onda crescente de carros, caminhões e motos que emitem os gases de dióxido de carbono e causam o caos diário no trânsito das metrópoles - potencializado ainda mais pelas enchentes: de toda essa escravidão dos veículos iremos nos libertar quando mudamos nossos hábitos e meios de transitar. (Basta viajar de ônibus ou de avião do Norte ao Sul do país para perceber o quanto de energia e matérias primas desperdiçamos)...

- a política pública - cada vez mais refém do sistema financeiro-econômico tanto no nível municipal, estadual e mais ainda federal -, somente assumirá sua tarefa de cuidar do bem comum da sociedade a partir da exigência da sustentabilidade, quando cada o cidadão-eleitor souber discernir verdadeiramente os discursos eleitoreiros e analisar criticamente as práticas políticas.

O fato de que o presidente Lula recebeu o prêmio de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no dia 29, sendo destacado como um líder político que tenha usado o mandato para melhorar a situação do mundo demonstrando o verdadeiro compromisso com todas as áreas da sociedade, não é motivo de alegria e glória para o Brasil! Pelo contrário, revela do lado de quem o presidente governa. Pode se duvidar se a integração do crescimento econômico e com a justiça social foi realmente bem feita. A atual política econômica e sistema econômico-financeiro parece ser um "cavalo de Tróia": Lá dentro dele se escondem os inimigos. Como se explica então, que inflação está crescendo no Brasil como há tempo não mais? Porque caiu a produção industrial por 20%? Porque o endividamento da República é o maior da história? - Uma verdade é inegável: o tão bendito crescimento econômico não tem fundamento para o futuro: as riquezas naturais do Brasil - o equilíbrio de seus ecossistemas, de seus biomas - foram literalmente vendidas. Neste ponto, Lula disse a verdade: "Custa caro começar a mudar essa situação". E bota R$ para reconstruir o país!

Este sistema capitalista não será destruído de frente, ele vai ser corroído por dentro. No momento em que não vamos mais comprar e consumir o supérfluo em detrimento do essencial. Quando entendemos que a "minha" sobrevivência e o "meu" bem-estar tem a ver, alias dependem essencialmente do bem-estar do meu próximo e da natureza. Não bastam "indústrias e comércios apenas tecnicamente limpos", sem justiça social nunca haverá equilíbrio ambiental e vice-verso.

Sim, tudo está em jogo para ser analisado, questionado e renovado ou tirado: os políticos e sua administração, a organização da sociedade, os objetivos das ciências e da tecnologia, as formas de produção da indústria e da agroindústria, o mercado financeiro. As enchentes, as secas, os tornados e as tempestades além de não deixar pedra sobre pedra e arrastando pobre e rico, estão revelando todos os erros, falhas e omissões da humanidade, cometidos no passado remoto até aos nossos dias.

Isso afeta também a vida e a missão da Igreja. "Do ponto de vista da fé podemos interpretar os fatos desta forma: Os sofrimentos pelos quais passamos revelam o tamanho do nosso descaso às Leis naturais, aos Mandamentos da Lei de Deus e o desprezo que damos ao Sacrifício de Seu Filho Jesus. Agora, ou O ouvimos e nos convertemos ao verdadeiro propósito divino, isto é, o bem de todos e de toda criação; ou continuamos surdos e perdidos nos labirintos infindos de nossas falsas escolhas e decisões nefastas" (Frei Fernando Hansen). Portanto, se é uma questão de conversão, então a Campanha da Fraternidade deste ano que aponta categoricamente a decisão a ser tomada - servir a Deus ou ao dinheiro - juntamente com a CF 2011, "Fraternidade e a vida no planeta", somente terão um bom êxito se cada cristão encarar de frente essas questões. Ou tudo ou nada!

Já em 1995 Leonardo Boff escreveu: "Dois grandes problemas ocuparão as mentes e os corações da humanidade daqui para frente: Qual o destino e o futuro do planeta Terra caso prolongarmos a lógica de rapinagem a que o tipo de desenvolvimento e de consumo nos acostumou? Qual a esperança do mundo dos dois terços pobres da humanidade?" (Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres)

Hoje sabemos o que está acontecendo e o que acontecerá. Não sabemos ainda, como cada um/cada uma de nós vai se decidir, posicionar... O que não vale mais é ter uma visão míope da vida. Quando as águas baixarem não podemos imaginar que os problemas tenham baixado, sumido também. Pelo contrário, o tempo urge para adquirirmos uma nova mentalidade e cultura, um novo paradigma capaz de construir o futuro com alegria e esperança. Ou a gente aprende isso de forma voluntária e consciente, ou às duras penas.

Quem, no início do século 21, ainda não compreende o significado verdadeiro de economia confundindo-a com crescimento econômico e financeiro,
quem mede o progresso de uma nação apenas pelo aumento de lucros financeiros
é um analfabeto ecológico, isto é, um cidadão irresponsável, perigoso para o futuro da humanidade, ou como Jesus dizia: "um louco"!

* Frei Johannes Gierse, franciscano.

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