Deus como ???mercadoria??? na era digital

Jaime C. Patias *

"Até que ponto a comunicação religiosa veiculada na mídia, não reduz o anúncio da fé em marketing religioso?" Com essa questão, o teólogo e coordenador do curso de Pós-Graduação em Teologia da PUCRS, padre Leomar Antônio Brustolin, introduziu o tema do Seminário sobre Deus como "mercadoria" na era digital, evento realizado na tarde de sexta feira, dia 05, durante o Mutirão Latino-americano e Caribenho de Comunicação em Porto Alegre, RS, de 03 a 07 de fevereiro de 2010.

"É possível fazer marketing sem vender o sagrado? Será que quanto mais vendo mais divulgo a fé?", perguntou o teólogo para em seguida explicar que os estudos nessa área investigam a relação do sagrado experimentado, tradicionalmente, no espaço presencial com o sagrado reconstruído pela mídia moderna. "A partir dos anos 1980 emerge a cultura das mídias, onde se associa tecnologias, equipamentos e as linguagens que permitem a escolha e o consumo mais personalizado e individualizado possível das mensagens, em oposição ao consumo massivo", recordou o pesquisador.

Segundo ele, a religião hoje em dia perdeu a função de sustentar e explicar a realidade deixando de ser ordenadora do mundo. Temos agora um pluralismo onde muitas instituições passaram a explicar a realidade. Num mundo com tantas ofertas temos o que Leomar chamou de "religião a La carte" onde a pluralidade marca o indivíduo em sua consciência. "A questão religiosa passa a ser opcional, de acordo com a preferência do indivíduo". Nesse cenário, assistimos ao "desaparecimento das verdades de fé e o crescimento da emergência da subjetividade para normatizar a experiência religiosa que passa a ser privatizada".

Aprofundando o tema, o teólogo listou a procura da religião por seus mais diversos motivos: "cura, conquista no amor, negócios, segurança, ideal de viver sem angústia, realização do seu ser profundo, o fim último...". O pesquisador apontou também os perigos da abertura dos ritos para a pluralidade de interpretações o que os tornam vulneráveis. "Os ritos podem ser mal interpretados, reduzidos em seus significados e sujeitos a influências degeneradas, manipuladas por ideologias", alertou.

Falando sobre a comunicação religiosa e o mercado, Leomar Brustolin explicou que, muitas vezes, manipula-se o aspecto simbólico em vista do consumo e para fins próprios. O problema é que "a mídia da era digital pode distorcer e manipular os conteúdos religiosos. A linguagem religiosa muitas vezes assume a linguagem do espetáculo, para fazer aparecer o aspecto fantástico e capturar a atenção. Manipulam-se símbolos, pessoas e realidades religiosas de acordo com a expectativa do público. Na relação com o mercado, o espetáculo é acentuado em detrimento da ética e dos princípios religiosos", destacou padre Leomar para, em seguida, falar sobre o marketing e a fé. Segundo o teólogo, "o marketing está relacionado com a ciência do vender, e para vender, o mercado procura seduzir, encantar e manipular os seus clientes", disse.

O desejo de consumo está relacionado à busca de completude no ser humano. Nessa linha de pensamento, o professor colocou mais uma questão: "numa sociedade que acabou com utopias e sonhos e transformou o desejo das pessoas em sonhos de consumo, como não associar consumo e religião?" e concluiu: "embora aparentemente ambíguos, o ser humano religioso e o consumista buscam a mesma realidade: a plenitude".

A empresa religiosa foi outra questão abordada pelo conferencista. "Para atrair fiéis-clientes, muitos grupos religiosos passam a usar a lógica da economia de mercado. No cenário de pluralismo algumas tradições religiosas se transformam em empresas prestadoras de serviços religiosos, agências de mercado, e sofrem até a pressão por resultados que provoca a racionalização das estruturas que visam minimizar gastos, tempo e dinheiro", analisou Leomar.

Por fim, o teólogo abordou a tema da religião como produto de consumo vendido com a utilização do marketing. "Apesar da intensa visibilidade midiática da religião, associada ao marketing da fé, o resultado final do processo é um secularismo crescente, que consome utopias e transforma o sonho de um mundo melhor num paraíso a ser consumido. A transcendência é experimentada mais como um produto de mercado", afirmou.

As perguntas dos participantes no Seminário giraram em torno de várias questões. Para padre Leomar a questão central está na transformação do rito sagrado em rituais mediáticos esvaziando a transcendência. Numa sociedade que não goza de boas relações com o sagrado, estaríamos diante de um fenômeno onde rituais mediatizados são apresentados em forma de espetáculo e consumo. Para ele "não podemos fazer concessões por que corremos o risco de esvaziar o conteúdo da fé. "O sagrado não se deixa manipular. Quando isso acontece, ele deixa de ser sagrado passando a ser um produto para ser consumido", concluiu.

* Jaime Carlos Patias, revista Missões no Muticom, em Porto Alegre.

Fonte: Revista Missões

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