Dia de consciência negra em Heliópolis

Vanessa Ramos e Julio Caldeira*

Novembro é o mês que muitos espaços trazem à tona a reflexão sobre a questão do povo negro no Brasil, o chamado mês da Consciência negra. O dia 20 que traz diversas atividades pelo país rememora o ano de 1695, em que um dos principais símbolos da resistência negra do Quilombo de Palmares-PE, Zumbi, foi brutalmente assassinado.

Neste sentido e com tal motivação, a Pastoral Afro de Heliópolis e a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro), organizou no dia 17, na comunidade eclesial de base São José Operário, em Heliópolis, um grande bate-papo sobre A resistência do povo negro no Brasil, com o assessor Douglas Elias Belchior que é professor de história, militante da causa afro e integrante do Conselho Geral da Uneafro.

Estiveram presentes cerca de cem pessoas, entre educandos e educadores do Movimento de Alfabetização (MOVA) da região, crianças, grupo de jovens e adultos da comunidade local e das comunidades eclesiais de base Santa Isabel, São Benedito e São José Operário, da Paróquia Santa Paulina e de padres e seminaristas do Instituto Missões Consolata (IMC). O encontro contou também com a presença do pároco Jaime Dias, do IMC que na região apóia o trabalho da Pastoral Afro que está em fase embrionária.

O encontro iniciou com uma provocação aos participantes, questionando-os se no Brasil, dito país de todos, não existe racismo. Abordando diversos assuntos a partir das respostas dos participantes, o assessor recordou que dos 509 anos da história "ocidentalizada" do Brasil, em apenas 1/3 dela (cerca de 120 anos oficiais) é que os negros vivem "libertos", ou seja, durante mais de 380 anos foram escravizados. De tal forma pontuou que tantos anos de escravidão, tortura, submissão e inferiorizarão do povo negro no Brasil, trouxe sérias conseqüências e assim, observa-se este reflexo na discriminação racial que sofre este povo.

Refletiu também sobre o papel dos meios de comunicação e seu poder ideológico causado em quem os assiste, como o canal de televisão que em plena semana da Consciência Negra coloca em sua novela de horário nobre a atriz que é a protagonista, negra, de joelhos para levar um tapa no rosto da atriz que é uma senhora branca. Assim, se observa muitos resquícios da escravidão e das formas de dominação que se apresentam muitas vezes de forma sutil.

Entre outros aspectos encontram-se os negros/as que ganham menos que os brancos no mercado de trabalho, os que são minoria nos espaços universitários de qualidade e os que sofrem discriminação e tratamento diferenciado pela polícia. Isso sem citar outras diferenças no tratamento da polícia também quanto aos nordestinos, indígenas e pobres na sociedade, de modo geral. Para Belchior, "é diferente como a polícia chega ao bairro nobre do Morumbi e na favela de Heliópolis, por exemplo".
Ainda ressaltou que o racismo é um processo ideológico como, por exemplo, quando se assiste ao telejornal da rede Globo, onde muitas notícias são filtradas. E questionou, "mas afinal, o que é notícia?".

Citou o exemplo da comoção nacional no fato do acidente com o avião AIRBUS no oceano atlântico há alguns meses. Casos assim que causam verdadeira comoção em todo o país, mas que, em contrapartida, quando se trata dos pobres, dados como o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/ UNESCO, de julho deste ano, no qual se mostra que de 2009 a 2013 cerca de 33 mil jovens, entre 12 e 18 anos, morrerão de forma violenta no Brasil; e destes, 2/3 serão de negros e 97% serão de pobres, não são apresentados.

Enfatizou a importância do estudo, da leitura e da organização do povo, pois, uma vez o povo conhecendo as diversas realidades e os seus direitos, compreenderá a importância de estar unido para se defender-se diante das injustiças.

Da tal modo, os quilombos foram esse exemplo, pois unia o povo que queria um lugar para morar, para plantar, para ser gente e para se proteger, afirma. E neste caso, o conhecido Quilombo de Palmares, se tornou referência na luta do povo negro e inspira a luta como da Pastoral Afro que está nascendo em Heliópolis e da Uneafro.

E assim, pontuou-se a importância de se utilizar o espaço da Igreja para fazer estas reflexões junto com o povo que vive na periferia. As comunidades eclesiais de base têm grande importância nisso. O assessor ressaltou que este modelo de Igreja mostra-se revolucionária, se colocando à frente nos passos de Jesus Cristo que fez sua opção pelos pobres e oprimidos.

Por fim, o encerramento do encontro com a dança de uma jovem negra da comunidade, trazendo presente a raízes africanas, fez rememorar sem dúvida, Dandara, companheira de Zumbi que lutou contra a escravidão de sua época e que ainda alimenta a mística da resistência na luta do dia-a-dia. O quilombo como o de Palmares foi destruído e muitos foram mortos, contudo, o sangue dos que tombaram ainda inspira o sonho da luta do povo negro e pobre que resiste aos modelos de barbárie, hoje, neste modelo de sociedade capitalista.

* Vanessa é membro da Pastoral Afro de Heliópolis e da Uneafro e Júlio é seminarista do Instituto Missões Consolata (IMC).

 

Fonte: Revista Missões

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