Cuidar da vida: Espiritualidade, Ecologia e Economia

Selvino Heck

 

35% dos brasileiros dizem que o capitalismo "tem muitos problemas e precisamos de um novo sistema econômico", mais que a média mundial de 27%, segundo pesquisa feita a pedido da BBC em 27 países. Apenas 8% opinaram que o sistema funciona bem e mais regulação o tornaria menos eficiente, contra 11% da média mundial. 64% dos brasileiros defendem mais controle do governo sobre as principais indústrias do país. 87% defenderam que o governo tenha um maior papel regulando os negócios dos países, enquanto 89% defenderam que o Estado seja mais ativo promovendo a distribuição de riquezas.

A pesquisa foi feita entre os dias 2 e 4 de julho, em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Segundo Steven Kull, Diretor do Programa sobre Atitudes em Políticas Internacionais (PIPA, na sigla em inglês), com sede em Washington, "não é que as pessoas digam, sem pensar, ‘sim, queremos que o governo regulamente mais a atividade das empresas’. No Brasil, existe um clamor particular em relação a isso. É uma expressão de grande insatisfação com o sistema e uma falta de confiança de que possa ser corrigido. Vimos em pesquisas anteriores que os brasileiros não são os mais entusiasmados com a globalização. O que vemos aqui é o desejo de que o governo faça mais para mitigar os efeitos negativos da globalização, melhorar a distribuição de renda e colocar mais restrições às atividades das empresas. Ao mesmo tempo, não devemos entender que 35% dos brasileiros querem algum tipo de socialismo; esta pergunta não foi incluída. Mas os brasileiros estão tão insatisfeitos com o capitalismo que estão interessados em procurar alternativas".

Steven Kull avalia que esta discussão não é apenas brasileira, mas latino-americana. Para ele, o continente está mais à esquerda em relação a outras regiões do mundo. Assim sendo, a pesquisa reflete o giro para a esquerda que o continente experimentou no fim da década de 1990, quando o modelo de abertura de mercado que se seguiu à queda do Muro de Berlim e à dissolução da antiga União Soviética dava sinais de esgotamento.

A pesquisa da BBC confirma pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil) sobre o que precisa mudar no Brasil para termos uma vida melhor. A ‘receita’ dos brasileiros para uma vida melhor passa por valores como respeito, responsabilidade, justiça, honestidade, paz, consciência e ausência de preconceitos.

São  resultados e sinais auspiciosos. Significa que o povo brasileiro e latino-americano não aderiu ao canto de sereia do consumismo e egoísmo neoliberais. Ou se aderiu num primeiro momento, deu-se conta depois de suas conseqüências nefastas e de sua insustentabilidade. Não é o mercado livre e absoluto que vai resolver todos os problemas. Um Estado indutor do desenvolvimento, regulador das forças de mercado, é indispensável para garantir distribuição de renda, justiça social, igualdade. A globalização financeira, viu-se agora na crise econômica, e ainda se vê, por um lado leva à financeirização quase total da economia e ao enriquecimento rápido e absurdo de alguns poucos, restando, de outro, o desemprego, a fome e a miséria para grande parte da população.

Significa que as experiências e os governos progressistas e democrático-populares latinoamericanos, que cada dia aumentam mais, com participação popular, com mobilização social, são um caminho alternativo, depois da queda do socialismo real. Ou seja, a frase do Fórum Social Mundial, ‘um outro Mundo possível’, não é mero desejo ou utopia inatingível. Tem, sim, base social, tem massa crítica favorável, é realidade em construção, é prática do povo organizado e consciente.

Um desenvolvimento com inclusão social, que não destrua o meio ambiente e a natureza, na perspectiva de uma sociedade onde o social seja o norte principal, os valores da solidariedade, do fazer coletivo, da partilha estejam na base e no centro, pode voltar a se tornar um caminho,  o ‘inédito viável’, como diria Paulo Freire.

Neste contexto, vai acontecer o 7º Encontro Nacional do Movimento Fé e Política, com o tema CUIDAR DA VIDA: ESPIRITUALIDADE, ECOLOGIA E ECONOMIA, dias 28 e 29 de novembro, em Ipatinga, MG (informações: www.fepolitica.org.br; www.fepoliticamg.org.br). E acontecerá o Fórum Social Mundial 10 anos, de 25 a 29 de janeiro, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (informações: www.fsm10.org).

"Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância", disse Jesus (Jo 10, 10). Onde e como brota, ou poderá brotar, esta vida? Como pode ser esparramada, espraiada para todos os seres humanos, animais, a terra como um todo, planetas, o cosmos? Como garantir um futuro com paz, amor, sem violência e preconceito de nenhuma espécie? Que atores políticos e sociais, os antigos, ou que atores novos são capazes de, generosamente, dedicar-se a esta tarefa humanitária de sobrevivência? Como cuidar da vida, numa espiritualidade encarnada e ao mesmo tempo além do corpo, da matéria, numa ecologia integradora e alimentadora dos seres, e com uma economia cuidadora da casa onde habitam o homem e a mulher, o jovem e a criança, o idoso e o deficiente físico, o louco da mente e o louco de amor, o índio e o pescador, o quilombola e o agricultor familiar, o catador e a quebradeira de coco, o morador de rua e o reciclador?

Muitas perguntas a serem respondidas, e muitas respostas sendo construídas por muitas e muitos a cada dia, quando o sol nasce, quando a lua sobe, quando a noite terna acalenta o sono e os sonhos. Em Ipatinga, irmanados milhares que vêm em caravanas de todo Brasil serão uma semente jogada no chão da vida, na terra cheia de húmus, mesmo que pareçam um grão de areia na imensa praia do mundo. A semente ligada a outra semente, de onde sairão plantas e mais plantas verdes, o grão de areia somado a outros tantos grãos de areia hão de fazer o novo e viver e reviver, na fé e na política,  a Comunidade primitiva em toda sua radicalidade.

Todos à Ipatinga, CUIDAR DA VIDA: ESPIRITUALIDADE, ECOLOGIA E ECONOMIA.

Selvino Heck é Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

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