Kaiowá Guarani, mais violências anunciadas

Egon Heck *

Enquanto uma dúzia de indígenas desse povo chegavam a Campo Grande, na marcha da Terra, após percorrerem 110 km, e divulgarem um manifesto em Anhanduí, duas dúzias de prefeitos e seus representantes estavam reunidos em Dourados para decidir como melhor se "defender das demarcações das terras indígenas". Isso com a generosa contribuição do governador do Estado que está financiando essas ações repassando dinheiro aos municípios com esse objetivo. Mas a inocência, parcialidade e espírito pacífico do governador é notório. Na segunda feira esteve na aldeia Terena Mãe Terra onde disse com todas as letras de que pessoalmente é contra a demarcação das terras indígenas. Já no meio da semana entregou 1.400 armas para a paz.

Na reunião dos prefeitos e representantes de 26 municípios, uma vez mais, buscaram estabelecer estratégias contra a demarcação das terras indígenas "Pois isso poderia significar o fim de alguns municípios". O representante da Associação dos Municípios foi mais ousado em suas mentiras. "Pereira disse que no estado de Roraima muitos municípios foram extintos depois que grande parte das terras foi destinada aos índios". (Midiamax, 13/08/09). É bom que se diga que o que aconteceu foi exatamente o contrário. Depois de identificada a terra indígena, se criou um município dentro dessa terra com a clara intenção de inviabilizar a demarcação. Apesar disso nenhum município foi extinto em Roraima.

Na região da fronteira com o Paraguai, representantes de sindicatos rurais tem se pronunciado até contra as anunciadas indenizações das terras que eventualmente estejam dentro das terras indígenas. E por via das dúvidas se comenta que estão se preparando, se armando e sendo armados para uma pequena guerra.

Enquanto isso os procuradores federais realizaram um seminário sobre a demarcação das terras indígenas, visando dar esclarecimentos, especialmente para jornalistas, a esse respeito. Nessa ocasião anunciaram sua retirada do grupo que estava buscando o diálogo e as condições legais para a indenização dos títulos de boa fé incidentes sobre terras indígenas. "O Ministério Publico Federal (MPF) anunciou hoje que se retirou do grupo de trabalho em que participam vários setores interessados nas indenizações que resultarão das demarcações das terras tradicionais indígenas em Mato Grosso do Sul, a conseqüência das permanentes contestações do governo do estado e dos setores vinculados ao agronegócio e latifúndio contra o mandato constitucional" (Site Cimi)

Mais uma morte misteriosa
No inicio da semana, dia 10, a Funai recebeu telefonemas de dentro do presídio de Segurança Máxima, de Dourados, dizendo que um índio preso estava passando muito mal, escarrando sangue, em conseqüência de espancamento. Quando a Funai conseguiu acionar alguém para tentar prestar socorro recebeu a informação de que o jovem Kaiowá Guarani de 22 anos, Rosivaldo Gonçalves Porto, estava morto. Ao tentar saber informações da causa da morte, os funcionários da Funai souberam que o corpo já ia ser enterrado, sem que sequer tivesse sido feita autopsia. Pressionando para saber a causa da morte, finalmente, a um laudo atestava que a causa da morte foi natural, insuficiência respiratória aguda. A partir das informações de que a verdadeira causa da morte teria sido espancamento, a Funai decidiu pela remoção do corpo a Brasília para proceder ali a um novo laudo. Na sexta feira, dia 14 a televisão local mostrou o avião da Funai pousando no aeroporto de Dourados, acrescentando que pouco depois o avião retornara a Brasília, sem o corpo de Rosinaldo. A imprensa eletrônica apenas registrou que meia hora antes da partida uma ambulância de Funerária estivera no aeroporto. Para qualquer cidadão fica logo a pergunta, mas porque se evitou um laudo mais isento em Brasília? Fez-se um enorme gasto com deslocamento de avião especialmente com essa finalidade, de Brasília a Dourados, e o corpo foi levado para proceder a exames para saber a causa da morte. Essa será apenas mais uma das "mortes misteriosas" de indígenas nessa região. Até quando?

Juiz Odilon apóia a demarcação
O que poderia ser apenas mais uma entrega de documentos a autoridades exigindo a continuidade da demarcação das terras Kaiowá Guarani, se transformou num marco histórico do posicionamento firme e inquestionável do Juiz federal Odilon de Oliveira a favor da demarcação das terras indígenas e da garantia de terras aos sem terra. Em se tratando de uma personalidade conhecida regional e nacionalmente pelas suas posturas firmas,especialmente no combate ao narcotráfico, foi uma grata, emocionante e surpreendente postura.

Além de se manifestar totalmente favorável à demarcação das terras indígenas e de terra aos sem terra, teceu duras críticas à "enrolação do governo federal" e à ação e presença do narcotráfico na região. Sugeriu até que as 86 fazendas identificadas como de narcotraficantes, perfazendo mais de 300 mil hectares, servissem para resolver o problema dos sem terra e para começar encaminhar a resolução das terras indígenas. Falou de sua origem sofrida, o que o sensibilizou ao ver os sem terra e indígenas que marcharam durante uma semana até chegar em Campo Grande "Concordo com as reivindicações de vocês. Se tivessem terra não estariam peregrinando. Não concordo com que o Brasil coloque em segundo plano as questões sociais.

Não satisfeito com que seus posicionamentos apenas ficassem no auditório onde estavam os mais de 60 militantes dos movimentos sociais, sem terra e indígenas, "querem que eu diga isso para a imprensa. Então a chamem que farei esse pronunciamento." Diante da concordância da plenária de que seu posicionamento fosse divulgado na opinião publica, foi feito um pequeno intervalo enquanto a imprensa pudesse chegar. Estranhamento poucos atendeu ao chamado, especialmente da mídia televisiva.

Além do importante posicionamento do juiz Odilon de Oliveira, foi surpreendente o gesto de sensibilidade de acolher e ouvir os representantes indígenas e dos movimentos sociais e receber os documentos. Se comprometeu de enviar os documentos a instancias judiciais superiores, onde houve a decisão da paralisação das demarcações das terras indígenas. Coincidentemente o juiz Stefanini, autor da decisão também estava em Campo Grande dando palestra aos magistrados, na OAB.

* Egon Heck, Cimi MS - dia nacional do protesto, 14 de agosto

 

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