Nossa arma é nossa boca

Egon Heack *

As fogueiras aquecem as centenas de Kaiowá Guarani, que em torno das brasas, vão repartindo suas angustias e esperanças, lutas e estratégias para enfrentar todo tipo de violência e garantir seus direitos. É mais uma Grande Assembleia que se inicia na aldeia Takuara.

Nossa paciência acabou!

Essa tem sido uma das afirmações repetidas por várias lideranças, no decorrer da Aty Guasu. Ao mesmo tempo o cacique Elpideo expressava o sentimento de seu povo dizendo "Nós Guarani somos um povo calmo, de muita paciência. Mas quando a paciência acaba ninguém segura o Guarani". Com isso estava dando um recado claro para as autoridades, os representantes do governo federal e Assembleia Legislativa ali presentes. No mesmo tom lideranças de Kurusu Ambá repetiram "A gente não agüenta mais. Já perdemos a paciência. Estão fazendo o massacre de nossa gente, já mataram três lideranças nossas. Não vamos continuar morrendo aqui na beira da estrada. A terra nos pertence. Chega de esperar, vamos avançar..." E em tom severo alertaram as autoridades presentes para a responsabilidade que lhes cabe, sobre qualquer violência de que venha a ser vítima a sua comunidade.

No documento final da Grande Assembleia Kaiowá Guarani reafirmam sua cobrança de ação imediata e decisiva para coibir a continuidade da violência e impunidade "Temos sofrido todo tipo de intimidação e ameaças por fazendeiros e pistoleiros que não querem ver nossos direitos respeitados. E ainda assim nos negam o mínimo daquilo que nos foi tirado! Não vemos o Governo Federal fazer nada para solucionar nossa situação RAPIDAMENTE. O pior é assistir a impunidade, a falta de justiça, contra aqueles que há décadas provocam através de vários meios, um verdadeiro genocídio do nosso povo. Não vemos esses assassinos serem julgados e condenados, o que vemos é a criminalização e a prisão injusta de nossas lideranças que lutam e reivindicam nossos direitos. Estamos cansados de esperar uma solução definitiva do Governo Federal para que os procedimentos de identificação previstos no TAC firmado entre a FUNAI e o Ministério Público Federal, em 2007, sejam de uma vez por todas concretizados.

É a monocultura desenfreada da soja, da cana e do gado, que financiados por dinheiro público, tomam o espaço da agricultura familiar indígena e camponesa, levando milhares de indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais sem-terra ao desespero, por não terem nenhuma perspectiva de vida digna para produzirem seus alimentos e garantirem a sobrevivência das futuras gerações. Além, disso destruindo o pouco que restou dos recursos naturais de nossa região.

Repudiamos a postura do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul que ao invés de buscar uma solução para a demarcação de nossas terras, conforme a orientação feita pelo Ministério Público Federal, vem empreendendo todos os esforços para que sejam cancelados os trabalhos de identificação de nossos tekohá, pregando mentiras que somente aumentam o racismo e a intolerância contra o nosso povo. Os nossos direitos estão garantidos e nunca nosso povo abandonará a luta pela demarcação de nossos tekohá! O Governo Estadual deve entender que tentar barrar aquilo que jamais desistiremos, somente criará mais conflitos! O povo indígena de Mato Grosso do Sul quer a paz e nunca a violência! Demarcar as terras de nosso povo não afetará a economia do estado e o que queremos é muito pouco perto de todo mal que estamos sofrendo e de tudo o que nos tiraram! Soluções existem para a demarcação, o que falta é a vontade política e o respeito às nossas reivindicações e direitos!"(Doc. Final da Aty Guasu aldeia Takuara)

O documento final traz as principais reivindicações dos Kaiowá Guarani hoje, destacando a imediata conclusão da identificação das terras, julgamento e punição dos assassinos das lideranças. Concluem solicitando providências nas áreas de saúde, educação e produção, especialmente de alimentos. Viva Ñande Ru, Ñande Sy, Viva nossos Guerreiros e Guerreiras, Viva a luta indígena, Viva o Movimento Kaiowá Guarani.

DEMARCAÇÃO JÁ! ATY GUASU - Terra Indígena Takuara, Juti - MS,

Em memória dos que tombaram na luta

A Assembleia esteve marcada por profunda mística na celebração da memória dos que tombaram na luta pelos direitos, especialmente a terra. A foto de Marcos Verão, ancião, líder da comunidade de Takuara, foi morto por espancamento e pauladas, por ocasião da retomada em janeiro de 2003. Graças à sua coragem e determinação, seu sangue derramado, a comunidade está hoje em seu tekoha. E é essa memória, juntamente a dezenas de outras lideranças que deram suas vidas nessas últimas três décadas, sendo a última há menos de uma semana, Osvaldo P. Lopes, de Kurusu Ambá, que os Kaiowá Guarani alimentam determinação e força de continuarem lutando pelas suas terras.

No segundo dia da Assembléia foi feita uma caminhada ao local em que Marcos Veron foi assassinado, terminando no local em que está sepultado. Ao som dos mbarakas o cântico de indignação e esperança.

O cerco da cana

O deputado Pedro Kemp manifestou seu sentimento ao atravessar os enormes canaviais e de repente chegar nos barracos da aldeia Takuara "Fiquei profundamente deprimido, diante daquele cenário de terra arrasada, inundada de cana..."

Ladio, um dos filhos de Marcos Veron, foi dizendo com tristeza "estamos rodeados de cana. Aqui perto está sendo construída uma usina. Hoje aqui não tem mais mata, peixe, caça. Só tem bois e plantações de cana e soja. Não temos mais carne de anta, tatu ou queixada."

Enquanto acontecia a Aty Guasu, ali próximo era possível ver a movimentação de grandes máquinas, fogo, ônibus levando e trazendo gente que cortava e plantava cana.

Até quando ?

Além do documento da Assembleia, os participantes fizeram dois documentos de solidariedade e apoio irrestrito às lutas de Kurusu Ambá e Laranjeira Nhanderu.

* Egon Heck, Cimi MS, Rio Brilhante-MS, 26 de maio de 2009. Fonte: Egon Heck / Cimi MS

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