Um longa entrevista com o Apóstolo Paulo

Carlos Mesters *

Antes da entrevista Frei Mesters faz uma introdução. Diz ele:
O objetivo deste subsídio é abrir uma porta de entrada para a vida do apóstolo Paulo e, assim, oferecer uma chave de leitura para as cartas que ele escreveu.
É uma porta em forma de entrevista que procura fornecer a ficha completa do apóstolo. Serve como exercício. Formulamos uma série de 40 perguntas e procuramos as respostas na própria Bíblia e nas informações que temos do contexto daquele tempo, tanto judaico como helenista-romano.

As perguntas que fizemos revelam apenas alguns aspectos da vida de Paulo. Outras perguntas poderão revelar outros aspectos da sua vida e da vida das comunidades daquele tempo.

As respostas são dadas na terceira pessoa e não na primeira pessoa de "Eu, Paulo", como se esperaria numa entrevista. É por dois motivos: 1. Não tive coragem; 2. Respondendo na primeira pessoa, fica mais difícil relativizar as conclusões ainda incertas da pesquisa histórica em torno da vida de Paulo. Pois nem tudo é certo e claro. Há vários pontos obscuros que não passam de hipóteses.

Existe uma discussão entre os exegetas sobre a autenticidade de várias cartas que a Bíblia atribui ao apóstolo Paulo. Elas não seriam de Paulo, mas de um discípulo de Paulo. Para a finalidade desta breve entrevista achamos não ser necessário discutir esta questão difícil.

Tomamos as cartas da maneira como aparecem na Bíblia. Um estudo mais aprofundado, porém, não poderá ignorar a questão da autenticidade. A dúvida se alguma carta é ou não é de Paulo não diminui em nada o seu valor como palavra inspirada de Deus.

A entrevista imaginária é feita depois da primeira prisão de Paulo em Roma, pouco antes da sua morte, quando ele estava com mais ou menos 63 anos de idade.

Uma entrevista com o Apóstolo Paulo

I Parte

1. Qual é o seu nome?
O primeiro nome é Shaúl ou Saulo (At 7,58), o que significa, "implorado", "desejado". Naquele tempo, além do primeiro nome em hebraico ou aramaico, era costume ter um segundo nome latinizado ou helenista. O segundo nome era Paulo (At 13,9). É este o nome que ele prefere e usa em todas as suas cartas. Outros exemplos de nome duplo: João Marcos (At 12,12; 15,37), José Barsabas Justo (At 1,23), Simeão Niger (At 13,1), Tabita Dorcas (At 9,36).

2. Quando você nasceu?
Paulo deve ter nascido em torno do ano 5 da nossa era. Pois, quando escreveu a carta para o amigo Filemon, ele já se considerava "velho" (Fm 9). Velho, conforme os padrões daquele tempo, era a pessoa que tinha além dos 55 anos de idade. A carta para Filemon foi escrita quando Paulo estava na prisão (Fm 9), provavelmente na primeira prisão romana que durou dois anos, de 58 até 60. Deduzindo os 55 anos de 60, se obtém o ano 5. Como se vê, o cálculo da idade e da cronologia de Paulo depende de muitas conjeturas.

3. Você nasceu aonde?
Paulo nasceu em Tarso na Cilícia da Ásia Menor (At 9,11; 21,39; 22,3; cf. 9,30; 11,25). Tarso ficava a uns quinze quilômetros do Mar Mediterrâneo, perto da embocadura do Rio Cidno que, pouco antes de entrar no mar, formava um grande lago. Tarso era uma cidade enorme. Conforme os cálculos feitos por alguns historiadores, tinha cerca de 300 mil habitantes. Ela possuía um porto muito ativo, de grande movimento. A estrada romana que fazia a ligação entre o Oriente e o Ocidente passava por lá. Tarso era também um importante centro de cultura. Foi ainda em Tarso que o imperador Marco Antônio viu pela primeira vez a Cleópatra (38 a .C.), fato que mudou a história do império romano. Ao sul, a cidade se abria para o mar. Para o norte, ela se espremia ao pé da serra, chamada Taurus, que subia até três mil metros de altura.

4. Sendo judeu, como é que você foi nascer numa cidade helenista? A sua família é de lá ou migrou para lá?
São Jerônimo (séc. IV) conservou uma tradição antiga conforme a qual Paulo teria nascido em Giscala, na Galiléia. Esta tradição não pode ser verdadeira, pois contradiz a afirmação de Lucas nos Atos dos Apóstolos, onde Paulo diz: "Nasci em Tarso" (At 22,3). Mas ela pode ter um fundo de verdade. É provável que a família de Paulo tenha a sua origem na Galiléia e tenha migrado de lá para Tarso bem antes do nascimento de Paulo. Naquele tempo, a migração de Judeus da Palestina para as cidades costeiras do Mar Mediterrâneo era muito comum, desde o quinto século antes de Cristo. Em todas elas havia comunidades judaicas bem organizadas que, juntas, formavam a assim chamada diáspora. Havia uma comunicação muito intensa entre as comunidades da diáspora e a cidade de Jerusalém que era o centro espiritual de todos os judeus.
Assim se entende como Paulo, nascido em Tarso, foi criado em Jerusalém (At 22,3; 26,4-5) e como ele tinha uma irmã casada que morava em Jerusalém (At 23,16). Ele mesmo diz: "O que foi minha vida desde minha juventude e como desde o início vivi no meio da minha nação, em Jerusalém mesmo, sabem-no todos os judeus" (At 26,4).

5. Quais os estudos que você fez, aonde e com quem?
Conforme os costumes judeus da época, Paulo deve ter recebido a sua formação básica como judeu, primeiro, na casa dos pais e, em seguida, na sinagoga local de Tarso e na escola ligada à sinagoga. A formação básica comum dos judeus compreendia: aprender a ler e escrever; o estudo da lei e da história povo; a transmissão da sabedoria da vida e das tradições religiosas; aprendizagem das orações. O método era: pergunta e resposta; repetir e decorar; insistência na disciplina e na convivência. Além disso, ainda em Tarso, ele deve ter aprendido a cultura grega que ele conhecia e usava (cf. At 17,28).Além desta formação básica, Paulo recebeu uma formação superior em Jerusalém. Desde a sua juventude, estudou aos pés de Gamaliel, neto e discípulo do célebre doutor Hillel (At 22,3). Ele mesmo confessa que foi um aluno aplicado e esforçado (Fm 3,6).

6. Você se formou como rabino, doutor da lei?
Quais os cursos?Naquele tempo, não havia cursos como hoje. Havia os grandes mestres que reuniam ao seu redor um grupo de discípulos. Na época de Paulo, isto é, no primeiro século, ainda não havia uma graduação oficial para alguém poder usar o título de rabino ou doutor da lei. Isto só aconteceu a partir da reunião de Yabne, realizada em torno do ano 90 d.C. Naquela assembléia, os rabinos da linha dos fariseus estabeleceram as condições para alguém poder ser admitido e reconhecido como rabino. Paulo nunca usou o título de Rabino, e nunca foi chamado como tal. Por isso, é pouco provável que ele tenha estudado para se formar como rabino ou doutor da lei. No entanto, o conhecimento de que ele dá provas nas suas cartas, mostra que, mesmo não sendo rabino oficial, possuía uma sólida formação teológica, igual à dos rabinos.
O estudo superior abrangia as seguintes matérias: 1. Estudo da Lei, a Tora, através de leituras freqüentes, até conhecê-la de cor. 2. Estudo da Halaká, isto é, da Tradição dos Antigos. A Halaká procurava regulamentar a vida do povo de acordo com a Lei. Era a assim chamada Tradição Oral que tinha tanto valor e autoridade quanto o texto escrito da Lei. Paulo estudou a Halaká dos fariseus e não a dos saduceus (cf. Fm 3,5; At 23,6-8). 3. Estudo da Hagadá, isto é, das histórias do passado, descritas na Bíblia. A maneira que se usava para lembrar e contar as histórias do passado capacitava o aluno a ler os fatos do seu tempo à luz da fé. 4. As regras do Midrash, isto é, da interpretação da Bíblia. Midrash significa busca, do verbo darash - buscar. Indica a busca do sentido que a Sagrada Escritura tem para a vida do povo e das pessoas.

7. Quais as suas leituras preferidas?
Qual o significado que a Bíblia tem para você?A leitura preferida de Paulo era, sem dúvida, a "Sagrada Escritura", aprendida "desde criança", conforme o costume do povo judeu da época (2Tm 3,15). Da Sagrada Escritura ele tirava "a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Jesus Cristo" (2Tm 3,15). Tirava "ensinamento", "perseverança e consolação", "esperança" (Rm 15,4). Ele se considerava destinatário daqueles escritos antigos: "Foram escritos para a nossa instrução, nós que tocamos o fim dos tempos" (1Cor 10,11). Ele acreditava que o Espírito de Deus agia sobre o povo através da Escritura Sagrada: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra" (2Tm 3,16-17).
Naquele tempo, a Sagrada Escritura compreendia só os livros que hoje pertencem ao Antigo Testamento, pois o Novo Testamento ainda não existia como escrito. Por ora, existia só como comunidade nova, que comunicava vida nova e olhar novo. O escrito do Novo Testamento estava sendo feito.
A expressão Antigo Testamento vem do próprio Paulo (2Cor 3,14). Era uma maneira nova de indicar a Bíblia, que deve ter desagradado aos irmãos judeus. Para Paulo, o Antigo se tornava Novo através da vida nova e do olhar novo, nascidos da conversão para Cristo

Fonte: www.adital.com.br

 

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