O pai do catolicismo progressista brasileiro

Kenneth P. Serbin *

Dom Hélder Pessôa Câmara foi um dos maiores líderes do século XX. O diminuto mas ferrenho bispo cearense, falecido em 1999, atingiu a idade de 90 anos durante uma época complexa e cheia de conflitos porque não deixou de ser um homem simples e pacífico. Diversos autores já escreveram a respeito de vários aspectos da vida de Dom Hélder, mas, como no caso de Alceu de Amoroso Lima, a história deste bispo abrange tantas facetas da história brasileira, que sua biografia definitiva, a qual deveria ser composta por inúmeros volumes, ainda está por ser escrita.[1]

No mesmo estilo de Mahatma Gandhi e o líder norte-americano da luta pelos direitos civis, Dr. Martin Luther King Jr., Dom Hélder lutou pela paz através da promoção da justiça social. A trajetória que o conduziu a essa abordagem de ação não foi fácil. Uma visão realista e não hagiográfica de Dom Hélder deve levar em consideração sua busca por uma filosofia política eficiente e dotada de sentido. O próprio Dom Hélder já admitira, por exemplo, o equívoco do seu envolvimento com autoritarismo durante os anos 30.[2]

Sua militância posterior pela paz jamais pode ser tomada como meras palavras vazias, pelo contrário, esta exigia o exercício diário de valores básicos mas não sempre fáceis de serem praticados pela maioria das pessoas: bondade, paciência, respeito, humildade, humor, disposição para aprender com os mais jovens e os pobres, e, quando necessário, silêncio. Dom Hélder simbolizou a face cristã e não violenta da esquerda brasileira em um período em que muitos estudantes e outros ativistas perderam a paciência e se voltaram ao conflito armado como forma de combate do autoritarismo e efetuar a transformação social. Mesmo após ter tido o muro de sua casa cravado de balas de metralhadora e, o que é ainda pior, após o assassinato de um dos seus jovens sacerdotes por um dos esquadrões da morte da direita autoritária, Dom Hélder manteve sua posição de não-violência. Várias das instâncias políticas de oposição bem-sucedidas e originadas nos anos 60 e 70 podem ser vinculadas ao seu trabalho: as comunidades eclesiais de base (CEBs), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a defesa pelos direitos humanos e pela igualdade sócio-econômica e a prática da teologia da libertação. A fé e ética de Dom Hélder anteciparam ainda inúmeros outros importantes acontecimentos: a luta pela igualdade feminina, o avanço dos organismos não-governamentais e o movimento em busca de pluralidade e diversidade religiosa. Ao passo que Alceu foi claramente o avô do movimento progressista católico, Dom Hélder foi seu pai, ajudando no seu desenvolvimento no mais amplo sentido do termo: uma abertura que visa não somente novas formas de vivenciar a fé católica, mas também para a política e a vida em geral.[3]

Para entender a atividade política de Dom Hélder, é necessário que se examine seu universo religioso, uma realidade que seria rejeitada por um revolucionário ateu, que, contudo, admiraria o bispo por sua coragem em criticar o regime militar de 1964; mas também uma realidade familiar para um outro segmento importante da esquerda que derivou do Movimento de Ação Católica sob a forma de grupos como a Juventude Operária Católica (JOC), a Juventude Universitária Católica (JUC), e a Ação Popular. Dom Hélder era um homem profundamente espiritualizado, quem, como outros tantos brasileiros devotos, recebeu seus primeiros exemplos de religiosidade de sua mãe, durante sua humilde infância em Fortaleza.[4] Dom Hélder estudou no seminário de padres Vicentinos Franceses e Holandeses, severos disciplinadores que tiveram um papel fundamental na "Romanização" ou modernização conservadora do catolicismo brasileiro que se estendeu da década de 1850 até a década de 1960, período no qual a Igreja aumentou amplamente sua influência política e social através da reestruturação de suas bases institucionais, defesa da moralidade e subjugo da religiosidade popular pela visão ortodoxa dos bispos. Com os padres Vicentinos, Dom Hélder aprendeu o valor da obediência frente à hierarquia da Igreja, mas também do questionamento da arbitrária repressão da criatividade. Como a maioria dos sacerdotes brasileiros, Dom Hélder saiu do seminário com uma educação refinada - com domínio do francês e latim, por exemplo - mas ainda assim, com lacunas no que diz respeito ao conhecimento das grandes questões mundiais e da realidade brasileira.[5] Embora com treinamento de padre diocesano, Dom Hélder assumiu um perfil de frei, ou seja, de um membro de uma ordem religiosa (tais como a dos Vicentinos), com suas regras, tarefas, espiritualidade e ambiente fraternal.

Dom Hélder encontrou sua inspiração maior nos ensinamentos e na vida de São Francisco, seu santo favorito, cuja abnegação pessoal se assemelhava e ao mesmo tempo minorizava os aspectos mais duros da vida no sertão nordestino. "Irmão Francisco" era uma dos apelidos favoritos de Dom Hélder.[6] Com sua ternura, tolerância e um sorriso cativante, ele era talvez a mais clara aproximação de um São Francisco brasileiro. Mais tarde, Dom Hélder encontrou inspiração espiritual em outros grupos que se identificavam com a experiência da pobreza, como por exemplo, os irmãos e irmãs de Charles de Foucauld e os padres operários franceses, que buscaram reaproximar a classe trabalhadora da Igreja através do trabalho de subsistência nas fábricas. Dom Hélder e outros religiosos de sua época adotaram uma espiritualidade da pobreza e literalmente procuraram viver nesta.[7] Em Recife, por exemplo, Dom Hélder abandonou o palácio do bispo para viver em uma pequena casa paroquial.

Dom Hélder possuía uma disciplina espiritual e dedicação a Deus admiráveis. Ele abdicou dos prazeres físicos e ofereceu seus sentimentos com respeito à atração feminina a Deus, assim como, as vezes, jejuava até o ponto de desmaiar. Desde sua ordenação em 1931, ele acordava todos os dias as 2 da manhã, rezava, lia seu breviário, respondia sua correspondência, meditava a respeito dos desafios do dia passado e escrevia poesia. Durante tais vigílias, Dom Hélder escreveu mais que 7,000 poemas, conhecidos como "Meditações do Padre José."[8] Esta renúncia da realidade física acabou por atrair muitas pessoas a Dom Hélder. "Era impossível não ser atraído por ele," lembra Rose Marie Muraro, quem trabalhou com Dom Hélder nos anos 40. "E todos sabíamos que era um homem que quase não comia, não bebia, rezava o tempo todo, não dormia e tinha um amor profundo!"[9] A espiritualidade profunda de Dom Hélder, assim como seu ascetismo, lhe forneceram a capacidade de superar as adversidades da vida e da política.

Dom Hélder era profundamente um homem da Igreja. Embora defendesse a democratização das rígidas estruturas hierárquicas da Igreja, ele sempre permaneceu fiel à instituição. Mesmo muito tempo depois que a maioria dos padres tivesse parado de vestir batina, o bispo continuou usando-o diariamente. Quando o Cardeal Joseph Ratzinger, censor teológico de Roma e um dos maiores críticos da teologia da libertação, apresentou um seminário no Rio de Janeiro em 1990, Dom Hélder participou do evento, embora tivesse visto grande parte de sua obra destruída pela intervenção de autoridades do Vaticano na sua antiga arquidiocese de Olinda e Recife.

Dom Hélder desenvolveu uma reconhecida carreira política e passou por uma profunda reorientação ideológica antes de se tornar um militante da paz e da justiça social. Como seminarista, ele já havia demonstrado uma forte inclinação para a política e admirava em especial as idéias do líder integralista Jackson de Figueiredo, um convertido que havia fundado a influente revista A Ordem e o importante Centro Dom Vital.[10] Após sua ordenação, Dom Hélder envolveu-se profundamente na quasi-fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), primeiro no Ceará, onde promovera com sucesso o movimento, e posteriormente no Rio de Janeiro, onde ele ocupou secretamente uma posição no supremo conselho da AIB por ordem de Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro e aliado cuidadoso de Getúlio Vargas. Dom Leme sentira a necessidade de apoiar discretamente os Integralistas caso estes chegassem ao poder. Outros tantos membros da Igreja participaram ou simpatizaram com a AIB dada sua oposição dupla ao comunismo e ao capitalismo liberal. De modo significativo, e talvez não de todo distinto aos estudantes brasileiros dos anos 60 e 70, o envolvimento do jovem Pe. Hélder com o Integralismo levou-o à defesa do uso da violência em objetivos políticos.[11] Como tantos outros importantes intelectuais Integralistas, Dom Hélder em última instância acabaria por rejeitar este movimento dada a associação deste com a violência assim como com o Fascismo europeu. Cabe ressaltar, porém, que estes mesmos intelectuais embora tenham rejeitado o movimento com um todo, retiveram o seu fervor nacionalista. Este grupo incluía Alceu e San Tiago Dantas, quem mais tarde seria o Ministro das Relações Exteriores do presidente João Goulart.[12] Alceu apresentou Dom Hélder à obra do filósofo católico francês Jacques Maritain, onde o "humanismo integral" anti-autoritário, a defesa da democracia e a aceitação do pluralismo religioso, presentes nesta, influenciam uma inteira geração de religiosos e intelectuais brasileiros que, mais tarde, tornar-se-iam promotores da teologia da libertação.[13]

Já no início de sua carreira, Dom Hélder demonstrava um alta capacidade de liderança e organização, a qual muitas vezes não é reconhecida, mas que foi muito importante para sua subida na hierarquia. Dom Hélder auxiliou tanto Dom Leme quanto o seu sucessor, Dom Jaime de Barros Câmara (que não possuía parentesco com Dom Hélder). Em 1947, Dom Hélder começou a reorganizar a estrutura da Ação Católica para assumir formas mais especializadas tais como JOC e JUC, as quais rapidamente assumiram uma importância política. Em 1952, com o respaldo do Vaticano, Dom Hélder fundou a CNBB, uma das primeiras organizações do gênero dentro do catolicismo mundial. A Conferência revitalizou a Igreja brasileira e estimulou o interesse dos bispos para com problemas sociais e econômicas. Em 1955, Pe. Hélder ajudou na criação do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), organização que acabaria promovendo uma conscientização maior, dentro da estrutura da Igreja, da importância da realidade Latino-Americana, assim como, fornecendo uma estrutura de apoio para o surgimento da teologia da libertação no final da década seguinte.

Dom Hélder foi consagrado como arcebispo em 1955, mesmo ano quando ele organizou o XXXVI Congresso Eucarístico Internacional (CEI). Este evento, ocorrido no Rio de Janeiro e com apoio governamental, foi capaz de criar uma união entre estado, forças armadas, comunidade empresarial, indústria turística, classe trabalhadora e a Igreja como tal em torno de uma campanha pelo desenvolvimento nacionalista. Desta forma, o evento coroara o modelo corporativista de Neo-Cristandade e de caráter triunfalista, que fora inicialmente proposto pelos padres Vicentinos e implementado por Dom Leme. O CEI aumentou a influência de Dom Hélder entre as elites sociais e empresariais e o projetou como o mais dinâmico e querido bispo do Brasil. A partir de então, Dom Hélder tornou-se um dos principais conselheiros de Juscelino Kubitschek. O CEI teve o efeito adicional de fazer com que Dom Hélder refletisse a respeito da crescente diferença sócio-econômica entre as camadas ricas e pobres oriunda do corrente modelo de desenvolvimento nacional. Conhecido internacionalmente como o "bispo das favelas," Dom Hélder intensificou os esforços da Igreja na melhoria das condições de vida das comunidades carentes do Rio de Janeiro através de obras tais como a Cruzada São Sebastião e o Banco da Providência, e ainda pressionou o governo pela criação de programas de assistência para as massas brasileiras.[14] Dom Hélder e a CNBB, por exemplo, foram extremamente importantes na criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), um ambicioso programa governamental que visava a promoção do progresso e desenvolvimento industrial desta região.

Mais do que ideologia ou argúcia organizacional, a crença profunda de Dom Hélder no povo brasileiro definiu sua obra pela promoção da justiça social. Esta crença ficava clara no seu desejo de delegar responsabilidades e tarefas. O bispo se valia, de modo especial, da ajuda propiciada por mulheres. Cecília Goulart Monteiro, Marina Bandeira, Agláia Peixoto, Maria Luiza Jardim de Amarante, Zezita (Maria José Duperron Cavalcanti), a futura intelectual feminista Rose Marie Muraro, e várias outras componentes da Ação Católica, assim como voluntárias e funcionárias, todas auxiliaram Dom Hélder ao longo de sua carreira. As seguidoras mais jovens de Dom Hélder eram conhecidas como "Hélder's Girls." "Dom Hélder foi realmente um dos primeiros a valorizar as mulheres," relembra Rose Marie Muraro. "Ele tinha grandes amigas, mas todo mundo aceitava aquilo como uma coisa humana e importante, inclusive esse convívio espiritual mais profundo com as mulheres. Ele não era misógino!"[15] Alguns destes indivíduos acabariam por ocupar postos importantes dentro da estrutura da Igreja. As mulheres foram especialmente importantes durante a gestão de Dom Hélder como secretário geral da CNBB (1952-1964). O relacionamento de Dom Hélder com a figura feminina contrastava profundamente com a exploração de freiras e leigas dentro de inúmeros setores da Igreja. A confiança de Dom Hélder nos personagens femininos e leigos ainda há de ser equiparada por alguém dentro da Igreja, a qual, como muitas outras instituições brasileiras, continua sendo primordialmente uma estrutura patriarcal que não atinge um grau de eficácia plena em suas ações dada a sua recusa em se beneficiar plenamente do potencial profissional e de liderança femininos.

A Ação Católica era o principal campo de atuação leiga dentro da Igreja. Como seu assistente eclesiástico entre 1952 e 1962, Dom Hélder coordenou a guinada dada pelo movimento de uma ênfase inicial na espiritualidade, questões institucionais e um tratamento paternalístico para com os leigos, para uma vibrante multiplicidade de grupos cuja ação se estende por áreas como a da alfabetização de adultos (tais como o Movimento de Educação de Base, ou MEB), organização sindical, até a liderança nacional do movimento estudantil, onde se destacaram indivíduos como o sociólogo e militante social Herbert de Souza, o saudoso Betinho. Durante esse período, a Ação Católica reafirmou de modo crescente a relevância do personagem leigo em contraposição ao clero e assume para si questões de relevância nacional. Por exemplo, em 1959, estimulada pelas interpretações da obra de Maritain providas pelo padre assistente de Recife, Pe. Almery Bezerra, a JUC desenvolveu "um ideal histórico cristão para o povo brasileiro." Esta plataforma se centrava no subdesenvolvimento econômico brasileiro, criticava o capitalismo por seus abusos anti-cristãos e aceitava o socialismo como uma opção viável.[16]

Talvez a mais alta expressão do apoio de Dom Hélder ao movimento leigo ocorreu em 1964 em seu discurso de posse com arcebispo de Olinda e Recife. Na presença de líderes militares conservadores, Dom Hélder se valeu de palavras que claramente definiam sua adoção pelo que a Igreja Latino-Americana, 15 anos mais tarde, se referiria como "opção preferencial pelos pobres": "De nada adiantará venerarmos belas imagens de Cristo, digo mais, nem bastará que paremos diante do Pobre e nele reconheçamos a face desfigurada do Salvador, se não identificarmos o Cristo na criatura humana a ser arrancada do subdesenvolvimento. Por estranho que a alguns pareça, afirmo que, no Nordeste, Cristo se chama Zé, Antônio, Severino."[17]

Durante sua gestão na Ação Católica, Dom Hélder tornou-se um forte advogado da reforma agrária. Juntamente como outros bispos, ele provocou as primeiras discussões sérias sobre o tema. De fato, Dom Hélder foi o verdadeiro autor de uma famosa carta pastoral sobre reforma agrária publicada por Dom Innocéncio Engelke, bispo de Campanha, Minas Gerais, em 1950.[18] A Igreja via a reforma agrária como uma forma de estancar o fluxo de imigrantes para as cidades, o que resolveria o problema das favelas e sustentaria a tradicional base da Igreja no campo. A demanda por reforma agrária tornou-se um emblema da Igreja progressista e conduziu à criação da Comissão Pastoral da Terra em 1975, e ainda ressoa, em pleno século XXI, no Movimento Sem-Terra.

Dom Hélder emergiu como porta-voz do mundo subdesenvolvido. Quando do Conselho Vaticano Segundo (1962-1965), ele propagou de maneira bem-sucedida as noções de uma "Igreja dos pobres" e da necessidade de corrigir as injustiças sociais do mundo através de um diálogo Norte-Sul e de uma cooperação internacional pelo desenvolvimento. Através da organização de encontros informais de bispos reformistas, Dom Hélder desenvolveu uma ação de bastidores para promover mudanças na organização hierárquica e Eurocentrista da Igreja e para encorajar uma maior participação dos leigos. Dom Hélder ainda trabalhou pela adoção, por parte do Concílio, de um relacionamento ecumênico com outras religiões e diálogo com outras ideologias, incluindo o Marxismo. Nas palavras do Pe. José Oscar Beozzo, um dos historiadores mais bem informados sobre a Igreja brasileira e um estudioso do Vaticano II, o Concílio transformou Dom Hélder "do relativamente pouco conhecido arcebispo auxiliar do Rio de Janeiro, num dos personagens mais influentes na cena internacional da Igreja contemporânea."[19]

Dom Hélder e outros bispos progressistas avançaram as diretrizes definidas no Vaticano II quando do encontro do CELAM em Medellín, Colômbia, em 1968. Os religiosos denunciaram a "violência institucionalizada" e promoveram a criação das CEBs. As declarações de Medellín fizeram com que, ao longo de todo o continente Latino-Americano, inúmeros padres, freiras e agentes de pastoral leigos converteram-se em ativistas políticos pela defesa das populações pobres e em oposição ao autoritarismo. O regime militar brasileiro considerou o documento de Medellín como subversivo.[20] No entanto, Medellín fazia parte da estratégia anti-comunista da Igreja.[21] Sua ênfase nos métodos pacíficos para a ação social era crucial para esta estratégia. Com a radicalização de vários membros do clero, a Igreja temia que estes se envolvessem em movimentos revolucionários violentos. Na abertura da conferência, o Papa Paulo VI reforçou a necessidade da não-violência; Dom Hélder, amigo do Papa por duas décadas, assumiu esta perspectiva como sua.[22]

Ao buscar aprimorar a Igreja, Dom Hélder ajudou a alterar o rumo de uma das instituições mais antigas e importantes da América Latina. Uma vez tida como um dos pilares do status quo, nos anos 60 e 70, a Igreja passou a se ocupar de modo crescente de questões ligadas à desigualdade social e à necessidade de uma maior participação da sociedade dentro do processo político. Dom Hélder simbolizou tais transformações, e juntamente com um número de outros bispos progressistas lutou por uma alteração radical das estruturas sociais e pelo estabelecimento de um socialismo humanista de gênero Latino-Americano. Ao mesmo tempo, Dom Hélder sempre esteve ciente de que a Igreja por si só não seria capaz de criar ou dirigir um sistema social desta natureza. Este somente seria levado a cabo através dos esforços da sociedade civil e do processo político, e teria também que manter sua independência frente a ambas as superpotências, capitalista e comunista. A Igreja não deveria trocar a Neo-Cristandade por uma cristandade socialista.[23]

Dom Hélder sabia da necessidade de empregar ferramentas da modernidade para transmitir sua mensagem. O Vaticano II conduziu de forma abrupta o catolicismo ao mundo moderno. Contudo, mesmo antes do Concilio, Dom Hélder já havia se dado conta do poder da mídia. Ele havia colaborado freqüentemente com jornais e outras publicações já nos anos 30, e continuara a publicar de modo regular desde então. No final dos anos 50, ele se apresentava no horário nobre da televisão em um programa chamado "Nas Trilhas de Deus", o que ampliou ainda mais sua popularidade e fez com que alguns conservadores passassem a rotulá-lo de "vedete." Dom Hélder também se apresentava em um programa diário de radio chamado "O Pão Nosso de Cada Dia," na Rádio Globo. Em 1959, Dom Hélder organizou uma "demonstração de fé" na Sexta-Feira da Paixão, a qual lotou o estádio do Maracanã com mais de 200 mil pessoas e foi transmitida pela televisão e por uma cadeia nacional de rádio de 300 estações.[24] Eloqüente em sua maneira de falar, nos anos 60 70 Dom Hélder capturou o imaginário dos jornalistas estrangeiros e cultivou com estes relações cordiais. Por sua parte, os jornalistas ajudaram o bispo a transmitir sua mensagem contra a injustiça no Terceiro Mundo.

Após 1964, conservadores e oficiais do regime militar, que antes haviam admirado Dom Hélder, passaram a rotulá-lo como "comunista" e o "arcebispo vermelho." Os conservadores, naturalmente, já tinham suspeição pelo bispo dado seu apoio à reforma agrária. Em 1963, ele fizera declarações que claramente sinalizavam para uma ruptura com a elite. Dom Hélder declarara que os ricos haviam causado o fracasso da Aliança para o Progresso, um programa iniciado pelo presidente norte-americano John F. Kennedy e que visava impedir o avanço do comunismo na América Latina através de assistência econômica e reforma social.[25] Com base na pressão de Dom Hélder, a própria CNBB anunciou sua própria declaração em defesa de reformas. Esta era uma das declarações mais radicais na história da conferência. Dom Hélder se envolvia cada vez mais nos esforços do presidente João Goulart pela promoção das reformas de base e tornar-se-ia assim alvo de ataque do áspero Carlos Lacerda por causa do seu apoio à conscientização dos pobres praticada no MEB. A recusa de Dom Hélder em oferecer apoio às tratativas em torno do iminente golpe contra o governo de João Goulart reforçou a desilusão, por parte de muitos ex-amigos do bispo de dentro da elite, com respeito ao mesmo.[26] Ao mesmo tempo, dentro do Vaticano II, Dom Hélder incomodava muitos bispos de postura tradicionalista e conservadora, que defendiam a preservação da hierarquia da Igreja.[27] A resposta dos bispos brasileiros foi a de expurgar Dom Hélder e os progressistas da liderança da CNBB nas eleições de setembro de 1964. A imprensa e intelectuais conservadores, tais como Gilberto Freyre, passaram a combater Dom Hélder e por final iniciaram uma campanha intensa de difamação do bispo.

Dom Hélder, na verdade, assumiu com relação ao regime militar uma postura de deixar como está para ver como fica. Ele quis manter canais abertos para o diálogo e uma possível colaboração em prol das reformas sociais que ele e outros progressistas tanto desejavam.[28] De maneira distinta a tantos membros da esquerda, Dom Hélder não tinha preconceitos com relação aos militares e nem guardava rancor.[29] Ele era um pastor para todas as pessoas. General Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente do regime militar, gostava do conterrâneo cearense e mesmo após o golpe assistira a alguns dos sermões do bispo.[30] Surpreendentemente, Dom Hélder permaneceu neutro no início da vigência do Ato Institucional No. 5, o decreto militar de 13 de dezembro de 1968 que consolidou a ditadura e suspendeu as liberdades civis no país.[31] Embora aceitasse o diálogo com Marxismo e defendesse os direitos dos prisioneiros políticos, Dom Hélder continuava a se opor ao comunismo, mas não da forma truculenta e intolerante da direita.[32] Ele aspirava pela prevenção do comunismo através de sua própria revolução social não-violenta e Católica.

Não obstante, o temor e ódio vigentes durante a Guerra Fria cegaram ambas a direita e a esquerda quanto às propostas políticas pacíficas e moderadas oferecidas por Dom Hélder. A polarização política dos anos 60 e o conflito ideológico entre o progressivismo católico e a doutrina de segurança nacional brasileira minaram de modo significativo as relações, normalmente cordiais, entre Igreja e Estado. Dom Hélder começou pois a questionar seu modelo de Neo-Cristandade e a relação de colaboração entre Igreja e Estado que ele mesmo havia simbolizado.[33]

Dom Hélder se encontrava no bojo de todos os acontecimentos da época, quando, um pouco antes do golpe de 64, ele foi notificado que seria transferido do Rio, onde seu relacionamento com o conservador (e invejoso) bispo Dom Jaime havia deteriorado muito, para São Luiz do Maranhão. Contudo, com a morte súbita do arcebispo de Olinda e Recife, o destino de Dom Hélder foi alterado e ele acabou por ser transferido para esta arquidiocese. No meio dos anos 60, Recife era a capital do progressivismo político e religioso do Nordeste (talvez de todo o Terceiro Mundo), o que levava vários estrategistas Norte-Americanos a temer que aquela região tornar-se-ia outra Cuba. É pois nesta mesma parte do país onde o novo regime militar exerceu a pior repressão de todo o período imediatamente posterior ao golpe. Dom Hélder ajudava aos perseguidos ao mesmo tempo em que se manifestava contra as injustiças do Nordeste. Castello Branco e outros moderados tentaram reduzir as tensões do relacionamento com a Igreja, mas os militares da linha dura continuaram com os ataques aos militantes católicos e as críticas contra Dom Hélder, ignorando a ênfase dada pelo bispo à prática da não-violência. Em maio de 1969, um dos esquadrões da morte da direita, o Comando de Caça aos Comunistas, assassinou de maneira brutal um dos padres jovens da arquidiocese de Dom Hélder, o Pe. Antonio Henrique Pereira da Silva Neto. O próprio Dom Hélder acabaria por ser minuciosamente investigado pelos serviços de informação militar e policial, os quais acumularam amplos dossiês sobre o bispo.[34] Durante o infame assassinato de Carlos Marighella e a prisão dos freis dominicanos e outros padres, ocorridos em novembro de 1969, a polícia política tentou vincular Dom Hélder ao movimento de oposição armada, mas tais esforços não encontraram sucesso. Entre os detidos se encontrava o Pe. Marcelo Carvalheira, um dos assessores de Dom Hélder.[35] Da mesma forma, outro assessor, Pe. Joseph Comblin, foi perseguido pelo regime com acusação de subversão dado seu envolvimento na preparação da assembléia de Medellín. Em 1972, Comblin, de origem belga, seria impedido de retornar ao país após um estada no exterior. Apesar do receio de ser assassinado, Dom Hélder manteve a calma durante todo esse período de grandes dificuldades.[36]

Apesar das críticas constantemente recebidas, por parte das forças conservadoras ao longo dos anos 60, de que Dom Hélder estaria encorajando a violência com suas críticas a respeito das desigualdades, Dom Hélder promovia a paz. As ações de Che Guevara e do padre revolucionário Colombiano Camilo Torres, assim como as de vários outros, todas aumentavam o apelo da violência como a solução para os impasses políticos e de desenvolvimento do Terceiro Mundo. Dom Hélder reconhecia a violência inerente à estrutura social Latino-Americana, contudo, ele, ainda de forma mais enfática, promovia a não-violência como a solução. Alguns membros da esquerda acabariam por criticá-lo por sua postura "pacifista" frente ao regime militar.[37] Em 1967, talvez de maneira ingênua, o bispo arquitetou um plano para a formação de um terceiro partido político (Partido do Desenvolvimento Integral), como alternativa ao Movimento Democrático Brasileiro e à Aliança Renovadora Nacional, os dois partidos sancionados pelo regime militar após a dissolução dos partidos tradicionais empreendida em 1965. Ao passo que muitos brasileiros das fileiras da esquerda se encontravam cada vez mais envolvidos na resistência armada ao regime militar, Dom Hélder lançou oficialmente em Medellín o movimento chamado "Ação, Justiça e Paz," de inspiração parcial nas propostas de Gandhi e Martin Luther King. Contudo, o movimento não se expandiu além das esferas do clero dada a polarização política crescente e a censura institucionalizada com a decretação do AI-5.[38] Não obstante, estas iniciativas ajudaram a lançar as bases do movimento de direitos humanos que, com base na Igreja, surgiria nos anos 70.

Entre as maiores colaborações de Dom Hélder em prol da paz, se destaca a denuncia da prática de tortura por parte do regime militar. A decisão de assumir a postura de denunciar tais práticas provavelmente foi a mais controversa de sua vida. De 1964 até a abertura em 1979, Dom Hélder trabalhou em favor da libertação dos prisioneiros políticos, os quais visitava. Em 1969, Dom Hélder denunciou publicamente a tortura cometida pelo Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) em Recife. Contudo, até então o bispo não havia se pronunciado a respeito da tortura quando fora do Brasil, onde ele era muito conhecido. Em maio de 1970, Dom Hélder fez algo inconcebível de acordo com os líderes militares patrióticos do Brasil: durante um discurso proferido em Paris e frente a milhares, ele denunciou a prática da tortura no Brasil. O bispo mencionou especificamente o caso de Frei Tito de Alencar Lima, um dos freis Dominicanos presos pelo regime e cujo tratamento recebido pelas forças de segurança de São Paulo fora tão brutal que acabaria por fazer com que o religioso tentasse cometer suicídio. Mais tarde, banido do país, Frei Tito se matou perto de Paris em 1974. O discurso detonou uma onda de críticas contra o arcebispo. A partir de então, a ditadura proibiu qualquer menção acerca do arcebispo por parte da mídia.[39] O regime também se valeu de forte pressão diplomática para evitar que Dom Hélder ganhasse o Prêmio Nobel da Paz.[40] Burocratas do Vaticano, da mesma forma, tentaram restringir as ações de Dom Hélder.[41] Neste momento, o bispo havia se tornado por demais de controverso para que pudesse ser Cardeal, uma honra que ele claramente merecia mas quanto a qual o regime fortemente se opunha.[42] Dom Hélder discretamente se retirou das atividades políticas internas no Brasil e se concentrou em fazer discursos no exterior, onde ele continuava a atrair atenção dada sua luta pelas causas da justiça e paz. Em um encontro da liderança da Igreja em São Paulo, o bispo passou o manto de defensor dos direitos humanos para Dom Paulo Evaristo Arns, quem, durante os anos 70, se tornara o mais eloqüente crítico, no ambiente interno do país, do uso da tortura pelo regime militar. Somente em 1977 um jornal brasileiro viria novamente a entrevistar o arcebispo de Olinda e Recife. Não obstante, Dom Hélder havia ajudado a solidificar a nova posição da Igreja em favor dos direitos humanos e feito com que estes se tornassem um tema nas esferas da diplomacia e da política internacional.

Ao mesmo tempo em que as forças armadas estrangulavam a democracia brasileira nos anos 70, Dom Hélder discretamente coordenava importantes experiências de democracia eclesial no Recife. Novamente o bispo exercitava seu estilo delegante na administração da Arquidiocese de Olinda e Recife. O conselho arquidiocesano, composto de leigos, padres e agentes de pastoral, conduziam as ações da arquidiocese em conjunto a Dom Hélder. Como exemplo, estes coordenadores estabeleceram uma rede de CEBs, conhecida como "Encontro de Irmãos."[43] Por todo o país, as CEBs empregavam a metodologia do "ver-julgar-agir", herdada da Ação Católica que fora dirigida por Dom Hélder nos anos 50. Esta forma intuitiva de unir fé foi revolucionária em uma Igreja que havia se valido, ao longo dos séculos, do sistema dedutivo Tomista. Dom Hélder ainda organizaria a Comissão Justiça e Paz com fins de examinar questões relacionadas aos direitos humanos.

Com respeito ao treinamento ministrado nos seminários, Dom Hélder coordenou, com a ajuda de outros bispo, a implementação de uma das experiências mais radicais da Igreja da era posterior ao Concilio Vaticano II: o estabelecimento do Seminário Regional do Nordeste II (SERENE II). Ao invés de morarem no seminário tradicional, reclusos do mundo, os estudantes do SERENE II montavam residências conhecidas como "pequenas comunidades" nas áreas pobres da região metropolitana, tais como o Morro da Conceição. Alguns dos seminaristas do SERENE II fariam trabalho pastoral na zona da cana, onde grandes usineiros ainda regiam suas atividades como senhores de engenho do período colonial. Sob a liderança do Pe. Comblin, outros se engajariam na "teologia da enxada," que treinava padres para trabalhar entre os sertanejos. Os estudantes do SERENE II e outros seminaristas do Nordeste fizeram seus estudos acadêmicos no Instituto Teológico do Recife (ITER), que havia agregado um grupo ecumênico de professores e funcionários que incluía ex-padres, agentes de pastoral de linha radical, e até mesmo professoras tais como a Irmã Norte-Americana Janis Jordan, que havia vivido na favela Dancin' Days, e a controversa irmã e escritora feminista Ivone Gebara. O ITER possuía recursos escassos e funcionava em um prédio por cair, mas seus professores demonstravam uma produtividade intelectual notável. O ITER ampliaria seu currículo com fins de incluir cursos especiais para agentes de pastoral e outros católicos de origem humilde que desejavam estudar teologia e aplicar estes conhecimentos em suas comunidades. Desta forma, Dom Hélder e os membros do ITER, ainda que em um contexto localizado, acabariam por dar um fim ao monopólio teológico que havia sido mantido dentro da Igreja como domínio exclusivo dos homens ordenados e ao clericalismo que havia regido a Igreja ao longo dos séculos.[44]

Quando os militares deixaram o poder central no país e Dom Hélder se aposentou como arcebispo em 1985, a Igreja brasileira sentiu que seu papel como a "voz dos que não têm voz", termo cunhado por Dom Hélder, havia diminuído. A Igreja se retraiu para uma posição mais conservadora, em parte como resultado da pressão exercida nesse sentido pelo Papa João Paulo II, e em parte porque a voz dos grupos populares se fazia ouvir através do Partido dos Trabalhadores, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, dos sindicatos livres, e de uma multiplicidade de organizações não-governamentais e movimentos de base que haviam surgido sob a proteção e amparo da Igreja. Mesmo que individualmente o respeitasse, João Paulo II agiu para reverter muitas das inovações que Dom Hélder e seus colegas haviam introduzido no Vaticano II e nos anos 70. Ao passo que os brasileiros, e de maneira especial Dom Hélder, tinham um aliado na figura do Papa Paulo VI, quem havia apoiado a justiça social na sua controversa encíclica Populorum Progressio e encorajado os bispos em Medellín, João Paulo II, por sua parte, havia se concentrado em fazer com que o Ocidente vencesse a Guerra Fria e queria, pois, uma abordagem menos radical na solução dos problemas sociais Latino-Americanos.

O ataque mais direto do Vaticano contra o catolicismo progressista ocorreu justamente na arquidiocese de Olinda e Recife, onde o substituto de Dom Hélder, o conservador Dom José Cardoso Sobrinho, desmantelou muitos dos programas inovadores anteriormente instituídos, puniu vários padres progressistas e suspendeu o Pe. Reginaldo Veloso, que havia coordenado a comunidade católica no Morro da Conceição.[45] Em um atitude que no mínimo poderia ser considerada como insensível, à luz do recente regime militar, Dom José convocaria a Polícia Militar em várias ocasiões para ajudá-lo a implementar suas políticas eclesiásticas contra grupos de leigos que protestavam com respeito às mesmas. Não fossem tais atos suficientes, em 1989, o Vaticano ordenou o fechamento do SERENE II e do ITER. Este foi um dos momentos mais doloridos para Dom Hélder e para a história do catolicismo progressista na América Latina.[46] Em meados dos anos 90, o Vaticano silenciaria a Irmã Yvone Gebara por dois anos dadas suas posições controversas a respeito da Igreja e a temática feminina. Embora essa punição excedesse a dada ao teólogo da libertação Leonardo Boff, em 1985 e 1986, Irma Ivone não se tornaria uma causa célebre como Boff, o que revela mais uma vez a atitude patriarcal que continua a permear a Igreja assim como a mídia no Brasil - uma atitude que Dom Hélder havia trabalhado tanto para alterar. Ao longo de todos estes incidentes difíceis, Dom Hélder mais uma vez manteve a calma e, diferentemente dos dias de conflito contra o regime militar, raramente se pronunciou a respeito dos mesmos.

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Como a maioria dos bispos, Dom Hélder era um político que estabelecera ligações com os ricos e poderosos. Contudo, ele possuía o raro dom de ser atraente a todos os grupos, incluindo estudantes, revolucionários e a mídia. Antes de 1964, até mesmo conservadores gostavam de Dom Hélder. No bom sentido do termo, ele era um religioso populista Latino-Americano, que capturava os corações das pessoas através de seu carisma e fé. Sua luta em prol do desenvolvimento Latino-Americano e dos direitos humanos definiria de modo significativo o catolicismo da libertação no Brasil e em toda a América Latina. Suas ações e palavras tiveram um impacto em católicos e outras pessoas de fé na América do Norte, Europa e mais além. Dom Hélder fez a transição de defensor da violência para promotor da paz. Ele renunciou ainda as tentações muito mais sedutoras de poder e honras eclesiásticas. Tivesse ele aceitado a "entrar no esquema", Dom Hélder poderia ter se tornado um cardeal, e, tivesse ele articulado com os militares, talvez até mesmo o arcebispo do Rio de Janeiro ou São Paulo. Ele rejeitou todas estas possibilidades a fim de que pudesse se posicionar ao lados dos pobres.
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[1] A obra mais abrangente até o momento é a de Nelson Piletti e Walter Praxedes, Dom Hélder Câmara: entre o poder e a profecia (São Paulo: Editora Ática, 1997). Baseada amplamente na correspondência privada de Dom Hélder, este livro revela novos e significativos fatos da vida do bispo. Contudo, a falta de notas na obra dificulta seu uso com fins acadêmicos. Ver também o excelente volume de ensaios sobre Dom Hélder organizado por um de seus antigos sacerdotes, Zildo Rocha, org., Helder, o Dom: uma vida que marcou os rumos da Igreja no Brasil (Petrópolis: Vozes, 1999). Ver ainda a história oral, Hélder Câmara, The Conversions of a Bishop: An Interview with José de Broucker, trans. Hilary Davies (New York: Collins, 1979). Para uma síntese mais antiga do assunto, ver Patrick J. Leonard, "Dom Helder Câmara: A Study in Polarity" (tese de doutorado, St. Louis University, 1974). A bibliografia deste trabalho apresenta uma lista extensiva de entrevistas, livros, artigos e outros materiais a respeito da vida de Dom Helder até o ano de 1974.

[2] Ver, por exemplo, Dom Hélder Câmara, "Minha passagem pela Ação Integralista Brasileira," CNBB, Instituto Nacional de Pastoral, documento No. 02143.

[3] Uma ampla visão da Igreja progressista brasileira está disponível em Thomas C. Bruneau, O catolicismo brasileiro em época de transição, trad. Margarida Oliva (São Paulo: Edições Loyola, 1974); Scott Mainwaring, The Catholic Church and Politics in Brazil, 1916-1985 (Stanford: Stanford University Press, 1986). Para outros trabalhos significativos, ver também Luiz Alberto Gómez de Souza, A JUC: os estudantes católicos e a política (Petrópolis: Vozes, 1984); José Oscar Beozzo, A Igreja do Brasil (Petrópolis: Vozes, 1994). Para interpretações mais recentes do movimento progressista católico, ver Anthony Gill, Rendering Unto Caesar: The Catholic Church and the State in Latin America (Chicago: University of Chicago Press, 1998); Manuel A. Vásquez, The Brazilian Popular Church and the Crisis of Modernity (Cambridge, England: Cambridge University Press, 1998); Marcelo Ridenti, Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV (São Paulo e Rio de Janeiro: Editora Record, 2000), 210-21. Gill afirma que a Igreja católica se torna mais progressista dada a ameaça do movimento Pentecostalista. Vásquez analisa deficiências neste movimento através do prisma do relacionamento deste com a racionalidade moderna. Ridenti, em contraste, enfatiza as raízes do movimento progressista na tradição do romantismo revolucionário. Meu objetivo neste artigo não é o de debater as origens ou o caráter do movimento progressista, mas sim o de interpretar a contribuição de Dom Hélder com relação às principais conquistas e avanços do mesmo.

[4] Piletti e Praxedes, Dom Hélder, 30, 42-43; sobre as condições humildes da família de Dom Hélder, ver Leonard, "Dom Helder Câmara," 155-56.

[5] Sobre a educação dos seminários, ver Kenneth P. Serbin, "Needs of the Heart: A Cultural and Social History of Brazil's Clergy and Seminaries" (Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, no prelo).

[6] Dom Marcelo Carvalheira, "‘Fioretti' do Irmão Francisco," em Helder, o Dom: uma vida que marcou os rumos da Igreja no Brasil, org. Zildo Rocha (Petrópolis: Vozes, 1999), 37. Ver também Piletti e Praxedes, Dom Hélder, 146.

[7] Fr. José Oscar Beozzo, "Dom Helder Câmara e o Concílio Vaticano II," em Helder, o Dom: uma vida que marcou os rumos da Igreja no Brasil, org. Zildo Rocha (Petrópolis: Vozes, 1999), 106-07.

[8] Piletti e Praxedes, Dom Hélder, 144-46.

* Ph.D. Professor Titular e Chefe do Departamento de História, Universidade de San Diego (San Diego, Califórnia, USA) e ex-presidente especial da Brazilian Studies Association (BRASA) para o exercício de 2008-2010. Artigo originalmente publicado em "Perfis Cruzados: trajetórias e militância política no Brasil do século XX" (Rio de Janeiro: Imago, 2002), organizado por Beatriz Kushnir, Tradução de Rafael R. Ioris.

Fonte: Espaço Acadêmico

 

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